VEJA O QUE SÃO UTILIZADO NO RITUAL AFRO BRASILEIRO

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VEJA O QUE SÃO UTILIZADO NO RITUAL AFRO BRASILEIRO

A Deusa, as abelhas e o mel

 

 

Em vários países do mediterrâneo foram encontrados vestígios de antigos cultos (3000 a.C.) de uma Deusa das Abelhas, mas sem que sua exata identidade fosse conhecida. Gravações em tábuas votivas das escavações do templo cretense de Phaistos representam a Deusa como uma abelha, com cabelos trançados como serpentes e com um bico de pomba, combinando assim traços característicos de Athena, Ártemis, Afrodite e Medusa. Desenhos nas paredes do palácio de Knossos corroboram para comprovar a existência de uma Deusa das abelhas na antiga Creta minóica.
A Deusa cultuada na Anatólia (Ásia menor, 3500-1750 a.C.) era representada usando uma tiara em forma de colméia; o mel era considerado sagrado e usado para embalsamar os mortos enterrados em posição fetal em vasos chamados pythoi. ”Cair no vaso com mel” era a metáfora usada para morrer e o pythos era o ventre da Deusa na sua manifestação como Pandora, a Doadora, cuja essência sagrada era o mel.Vários mitos descrevem a restauração da vida após a morte com o auxílio do bálsamo de mel da Deusa. Deméter era chamada de Mãe Abelha e no seu festival Thesmophoria, reservado apenas às mulheres, as oferendas (mylloi) eram constituídas de pães de mel e gergelim em forma de órgãos sexuais femininos.
O símbolo de Afrodite do Seu templo em Eryx era um favo de ouro e Suas sacerdotisas eram chamadas Melissas, assim como também as que serviam nos templos de Deméter, Ártemis, Rhea e Cibele, nos cultos da Grécia, Roma e Ásia menor. Essas sacerdotisas exerciam funções oraculares, se alimentavam apenas com pólen e mel e recebiam o dom de falar a verdade da Deusa Abelha, que a sussurrava nos seus ouvidos.
As abelhas eram consagradas à Deusa desde a antiga civilização matrifocal de Çatal Huyuk (Anatólia) e aparecem nos mitos gregos como “pássaros das Musas”, atraídos pelo aroma das flores do qual preparavam o mel, considerado um néctar divino. Acreditava-se que as abelhas eram almas das sacerdotisas que serviram às deusas Afrodite e Deméter, acompanhando a passagem das outras almas entre os mundos.
O nome científico da classe das abelhas – Hymenoptera – que significa “asas de véu” refere-se ao hymen, o véu que ocultava o altar interno nos templos da Deusa, assim como sua contraparte no corpo da mulher, que é a membrana que veda a entrada para o seu santuário íntimo. A defloração era um ato sagrado realizado com a bênção da Deusa no seu aspecto de Hymen, a padroeira da noite de núpcias e da lua de mel, que tinha a duração de um ciclo lunar e menstrual. O noivo podia acessar a fonte de vida tendo relação sexual durante a menstruação da noiva, momento muito sagrado e poderoso.
No tantrismo o mito relata o batismo ritual (Maharutti) do deus Shiva no sangue menstrual da deusa Kali Maya, sua mãe e consorte, obtendo assim virilidade e poder. A combinação de sangue menstrual com mel era considerada antigamente o elixir sagrado da vida, o néctar criado por Afrodite e ingerido pelos seus sacerdotes e adeptos. Afrodite era reverenciada como a Mãe Criadora ancestral, regente da vida e da morte, do amor e da beleza, do tempo e do destino, conforme comprovam seus múltiplos aspectos como Asherah, Astarte, Inanna, Mari, Moira, Marina, Pelagia, Stella Maris, Hymen, Vênus, Urânia.
Na cosmologia nórdica o néctar de inspiração, sabedoria, magia e vida eterna era uma combinação de mel e do “sangue sábio” contido no caldeirão do ventre da Mãe Terra. Distorções patriarcais atribuíram em mitos posteriores a origem deste hidromel ao sacrifício de um deus pouco conhecido, Kvasir, formado do cuspe fermentado dos deuses e de cujo sangue misturado com mel formou-se o “elixir da inspiração” (uma clara analogia e adaptação da sua verdadeira origem, o sangue menstrual). No mito finlandês o heroi Lemmin Kainem, oferecido em sacrifício e enviado para o mundo subterrâneo da Deusa da morte Mana, foi ressuscitado pela sua mãe com a ajuda do mel mágico trazido pela sua protetora espiritual Mehilainem, a Abelha. Antigas seitas cristãs celebravam um rito de amor que incluía a ingestão da mistura de mel com sangue menstrual, para fins de renovação e renascimento.
O mel era valorizado tanto pelo seu aspecto sagrado, quanto por ser nutridor e preservador, como bactericida. Junto com o sal eram os únicos conservantes do mundo antigo e considerados agentes de ressurreição e transmutação. As abelhas eram símbolos do poder feminino da natureza, que criavam este produto doce e mágico e o guardavam em favos com estrutura hexagonal. O hexágono era considerado pela escola Pitagórica uma expressão do espírito de Afrodite (uma dupla deusa tríplice) e as abelhas reverenciadas como criaturas sagradas, que sabiam como formar hexágonos perfeitos. Nas suas práticas espirituais os adeptos de Pitágoras meditavam fixando a mente na estrutura geométrica do triângulo, do hexágono e dos ângulos de 60°, para compreender melhor os mistérios da simetria cósmica.
No folclore, as abelhas eram associadas tanto com a vida, quanto com a morte. Se abandonassem sua colméia, isso era um presságio nefasto para o dono; em caso de morte de alguém da propriedade, as abelhas deviam ser “avisadas” e imploradas para não irem embora, suas colméias sendo viradas depois na direção contrária à casa. Sonhar com um enxame de abelhas era prenúncio de desavenças e azar, mas o mel nos sonhos era um bom augúrio. Na Irlanda as pessoas compartilhavam seus projetos às abelhas por considerá-las mensageiras dos deuses, assegurando assim a prosperidade. Frases como “pergunte às abelhas que elas sabem” ou “use a sabedoria das abelhas” são comuns nas Ilhas Britânicas. A santa católica Gobnait (adaptação cristã de um aspecto da deusa Brigid) salvou sua paróquia de uma invasão segurando uma colméia nas mãos, o enxame de abelhas cercando e cegando os bárbaros.
No seu aspecto transcendental, as abelhas representam imagens da interconexão sutil e milagrosa da vida. A intrincada estrutura hexagonal, que guarda a dourada essência da vida, é uma equivalente da teia invisível da natureza que coordena todas as criaturas e coisas em um padrão harmonioso. O movimento incessante das abelhas para polinizar as flores e extrair seu néctar para ser transformado em mel, é um exemplo para os humanos trabalharem continuamente, para colherem os frutos dos seus esforços e transformá-los em sustentação e comemoração (os zangões são mortos após a dança nupcial com a abelha rainha por serem preguiçosos e comilões!).
Em um selo de ouro encontrado em um túmulo cretense de 4000 anos atrás, a Deusa e Suas sacerdotisas vestidas como abelhas aparecem dançando junto. A Abelha Rainha, cuidada e nutrida por todas as suas súditas, era a representação neolítica da própria Deusa; o zumbido das abelhas era visto como sendo a transmissão da voz da Deusa. O mel tinha um importante papel no ritual do Ano Novo minóico, que começava no solstício de verão, quando a estrela Sirius nascia junto com o Sol, momento mágico que assinalava o início da colheita de mel das colméias escondidas nas florestas e grutas. Fermentado, o mel virava hidromel, bebida sagrada usada em celebrações e rituais.
Os túmulos em Micenas tinham forma de colméias, assim como também era a pedra sagrada do templo oracular de Delfos, omphalos, que representava o umbigo do mundo. Mesmo depois deste templo inicialmente consagrado a Gaia ser dedicado a Apollo, a função orácular era sempre exercida por uma sacerdotisa – Pythia, chamada de Abelha Délfica. As colméias serviram de modelo para vários templos da antiguidade; o templo egípcio da deusa Neith era conhecido com “a casa das abelhas”, o mel servindo como símbolo de proteção e usado na consagração das fundações e no embalsamento dos faraós.
Uma imagem da deusa Maat a representa como abelha com grandes asas e segurando um pote com mel, augúrio do renascimento. A estátua de Ártemis de Éfeso, considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo, tinha inúmeras protuberâncias no seu corpo, cuja natureza não foi elucidada. Uma das teorias as considera seios, daí o nome de Ártemis com mil seios, outras teorias as vêem como frutas de palmeiras, berinjelas, cachos de uvas, ovos de avestruz, bolsas para amuletos ou cornucópias. Mas também podem ser interpretadas como os ovos que a Abelha Rainha deposita diariamente nos favos, Ártemis sendo vista como a representação da Deusa Abelha, cujo dom era gerar continuamente a vida e consagrar a morte como uma etapa que antecedia a ressurreição.


Atualmente bilhões de abelhas estão morrendo no mundo inteiro, sem que seja encontrada uma causa ou explicação, além da evidente e crescente poluição do meio ambiente e a destruição das espécies vegetais. A crise é um alerta global, pois sem abelhas diminuirá cada vez mais a polinização e a humanidade ficará privada de frutas e verduras, aumentando assim as ameaças da fome mundial.


Como mulheres que cultuam e reverenciam a Deusa, precisamos lembrar e refletir sobre a importância – mítica e mágica – do mel e das abelhas, consagrados à Deusa nas Suas várias manifestações das culturas matrifocais. Devemos honrar e invocar as bênçãos da Deusa Abelha com cantos, música, danças, oferendas de mel e orações, pedindo sua clemência para evitar a extinção das Suas súditas no planeta Terra.

 

 

APETRECHOS RITUALISTICOS - PARTE V - O MEL

 

O MEL 

 

 

É o alimento primeiro, alimento e bebida ao mesmo tempo, a exemplo do leite, ao qual é frequentemente associado, o mel é antes de tudo um símbolo vasto de riqueza, de coisa completa e sobretudo de doçura; ele se opõe ao amargor de fel, ele difere do açúcar, como difere aquilo que a natureza oferece ao homem, daquilo que ela esconde dele. O mel, em algumas culturas, é um dos agentes principais de fecundação, fonte de vida e de imortalidade. Essa doçura melosa pode ser perigosamente sedutora: é o caso das palavras do bajulador, dos engodos de todo tipo. Enquanto alimento único, o mel estende a sua aplicação simbólica ao conhecimento, ao saber, à sabedoria, e seu consumo exclusivo está reservado aos seres de exceção, neste mundo assim como no outro. Algumas tradições associam o mel ao elemento terra e à noção de centro, e é por isso que alguns pratos servidos aos deuses deviam ter sempre como elemento de ligação o mel. Os ensinamentos dos deuses podem ser comparados ao mel por suas propriedades de purificar e de conservar. O mel designará a cultura religiosa, o conhecimento místico, os bens espirituais, a revelação ao iniciado, designando a beatitude suprema do espírito e o estado de Nirvana: símbolo de todas as doçuras, ele realiza a abolição da dor. O mel do conhecimento funda a felicidade do homem e da sociedade. O mel é associado à doutrina: o início é doce, o meio é doce, o final é doce. A perfeição do mel faz dele com facilidade uma poderosa oferenda e objeto propiciatório, um símbolo de proteção e de pacificação. Não podemos esquecer que o mel toma parte nos ritos de medicina. O mel está ligado à imortalidade de sua cor - amarelo ouro - pelo ciclo eterno das mortes e dos renascimentos. Simboliza a sabedoria, a preservação.

 

 

 

 

 

MEL DA OXUM

 

O texto abaixo é tradução de um mito Africano, de uma lenda , é parte de um Odu oral do Oráculo de Ifá.

... e aconteceu que, quando o Criador, Olodumaré enviou as 16 abelhas trabalhadores, para a Terra, no início do tempo para a humanidade civilizada, incluídas entre elas uma chamada Oxum. Antes de vir para a Terra, foi a Ifá para fazer adivinhação, e o profeta do Senhor, Orunmila, instruiu-os que sempre honrassem Oxum, que ela por sua dor ou pela medicina era extremamente importante para ajudar a civilizar a humanidade e orientar na sua evolução. As 16 abelhas cada um tinha a sua dor, seus talentos e competências que foram usados para o benefício da humanidade. Mas elas não gostaram de Oxum, o orixá feminino, por ser diferente. Ela se comportou como uma diva, e ela sabia que ela era bonita e inteligente. Assim, foi excluída de tudo o que elas faziam, e fazia apenas as tarefas que lhe era trivial. Nada era compartilhado com ela e as vezes brutalizada. Sentia-se isolada, mas por causa de sua virtude, manteve a cabeça e não ficou furiosa. No entanto, ela lançava bênçãos, bênçãos como as outras deixavam de lançar Ache, porque ela sabia que se deve compartilhar a dor, a energia, com os que merecem isso. E assim, os trabalhadores começaram a perceber que nada que eles fizeram não rendeu frutos, a terra não era mais fértil e os seus métodos não foram mais úteis. Sua frustração levou-os para onde adivinhava Orunmila, para que o profeta visse o que aconteceu. Orunmila ao vê-los, disse de imediato: "Onde está Oxum? Por que não está a acompanhá-los? Por que não está sendo incluída em tudo que fazem, e honra, como eles foram instruídos antes de serem enviados para a Terra?" "É porque é a única mulher e tem toda a fertilidade", responderam eles. Orunmila então disse: "Eles tornaram-se consumidos pela inveja." Então ele aconselhou-os a oferecer sacrifícios a Oxum, a trabalhar com muito empenho e coletar néctar para alimentá-la, como fazem as abelhas para a sua rainha em todas as grades e aqui é que esta tradição tem origem no tipo de que a natureza alimenta a rainha com geléia real. Oxum é para todos os ninhos de abelhas que têm uma rainha. Disse o profeta do Senhor, que se realizasse esses sacrifícios o seu trabalho renderia frutos novamente. Enquanto tudo isso acontecia, Olodumaré "Deus olhou com compaixão para Oxum enquanto rezava e recordou como ela tinha sido humilhada e obrigada a se sentir envergonhada, e como a haviam maltratado. Deus viu que ela estava carregando sua força e opressão, com dignidade, sem perder a cabeça e sem o uso de sua magia poderosa para o exercício da justiça, e que não recusou a sua bênção para aqueles que cometeram injustiças contra ela. Ela se comportava como uma rainha. Olodumaré, em seguida, decidiu conceder a ela a honra de ser a abelha rainha, e deu-lhe uma coroa de contas e declarou a maior parte das abelhas. Quando os 16 trabalhadores sobre anos voltaram, e viram a sua nova realeza, se sentiram envergonhados. Eles imediatamente começaram a oferecer os sacrifícios que tinham sido instruídos por Orunmila profeta. Eles recolheram nos jardins, néctar reais e colocavam em sua boca de modo servil, e fizeram todos os tipos de ofertas específicas a rainha, e, finalmente, perguntaram se ela aceitava seus sacrifícios. Bastante confortável em seu novo estatuto de rainha, ela respondeu: "Eu estou grávida. Se eu parir uma mulher, minha filha e eu vamos ser estéril, para mim e minha colônia como os trabalhadores, e a Terra será um lugar esquecido e sem vida. Se eu parir uma continuação do sexo masculino, em seguida, haverá vida, e só então vou compartilhar com vocês a minha dor de costas, e poderá continuar a humanidade civilizada. " Ela queria ensinar-lhes uma lição com isso. Como rainha, Oxum tinha o conhecimento secreto e o poder de escolher o sexo de sua criatura, mas eles não sabiam. Ainda hoje, as rainhas em colônias de abelhas têm esse poder e conhecimento. A cada dia as abelhas a alimentavam com o néctar real, e ela rezou e fez sacrifícios para sua barriga para ser um menino. Finalmente chegou o dia do nascimento, e a Rainha esperou cinco dias para ir e anunciar o nascimento de sua criatura. Para a sua conclusão, era um menino. Oche-ção foi chamado pelo profeta sábio Orunmila na cerimônia de nomeação. Finalmente as abelhas tinham de regressar a sua santa cidade Oxum Seixal, numa carruagem de ouro, enquanto se alimentava de néctar, mel real, e é assim que ela chegou à cidade santa medida e adorada como patrona. Oxum assim salvou o mundo, permitindo que a vida e a fecundidade continuasse, que as abelhas se multiplicassem e que poderiam continuar o desenvolvimento e civilização da humanidade. Desde então, cada abelha é cuidada para não insultar Oxum e tendo que perdoar a agressão, ainda sendo compassiva com aqueles que são maltratados pelos outros. Este mito também explica por que Oxum, apesar de ser a mãe de todos, não aumentando os seus filhos, têm funcionários para fazer todo o trabalho, e ela é a rainha. Sua única função é dar a fertilidade.

 

APETRECHOS RITUALISTICOS - PARTE IV - NAVALHA E CABELO

 

 

O ato de "usar" a navalha numa feitura de iyawô tem significados muito sutis e importantes.

Chamado de sacrifício (sagrado ofício), simboliza a passagem de um estado inferior para um superior. É o símbolo mais usado para exprimir a ruptura de níveis e a penetração no "outro mundo", no mundo supra-sensível (seja o dos mortos ou o dos deuses). É penoso passar pela lâmina afiada da navalha, pela "ponte apertada e perigosa" que exprime a necessidade de transcender os contrários, de abolir hábitos que caracterizam a condição humana a fim de conseguir alcançar um modelo de vida mais próximo à retidão do esforço espiritual, colocando-se no eixo de uma outra polaridade.

Os cabelos possuem o dom de conservar "relações íntimas" com o Vodum/Orixá/Inkice, mesmo depois de separados do corpo. Simbolizam suas propriedades ao concentrar espiritualmente suas virtudes: permanecem unidos a quem foi oferecido.

 

Na maior parte das vezes, os cabelos representam certas virtudes ou certos "poderes": a força e a virilidade, por exemplo, no mito de Sansão.

Os cabelos oferecidos ao Vodum/Orixá/Inkice tornam-se imantados e influem "magicamente" sobre o destino de seu proprietário, o iniciado. O ato de doar o cabelo à divindade corresponde não só a um sacrifício mas também a uma rendição: a renúncia às virtudes, às prerrogativas, enfim à própria "personalidade" para uma estreita relação ao arquétipo dessa divindade.

Ficar sem fazer uso do pente durante o período de resguardo e obrigações, simboliza a submissão, a concentração e a ligação com as dividades. Ficar com os "cabelos desgrenhados" já era um costume dos antigos feiticeiros em seu ofício e de seus aspirantes. De modo geral trata-se de uma renúncia às limitações e às convenções do destino individual, da vida comum, da ordem social.

Os cabelos são considerados como a morada da alma. A queda do cabelo (feitura) é uma importante cerimonia que requer inúmeros preceitos preparatórios e representa que aquele neófito deixa de ser pagão recebendo então, nessa ocasião, seu verdadeiro nome (digina). Considera-se que o abian esteja vunerável às forças negativas, a partir do momento em que é despojado com a perda de seus cabelos, liberta-se dessas energias.

O elo estabelecido entre o cabelo e a força vital primária de um abian se renova no ato da feitura, tornando-o, ao mesmo tempo em que perde seus cabelos ligados a sua vida profana, uma nova pessoa com um nova força vital. O conceito de força vital traz consigo, forçosamente, os de alma e de destino.

Por tudo que representa o fio da navalha e o cabelo, podemos avaliar o quanto de preceitos uma navalha tem que passar para poder ser usada em uma feitura.

APETRECHOS RITUALISTICOS - PARTE III - PANO DA COSTA

 

 

Também conhecido como alaká, pano-de-alaká ou pano-de-cuia, o pano-da-costa é de origem africana e compõe a indumentária da roupa de baiana. Seu uso está intimamente ligado ao âmbito das religiões afro-brasileiras e obedece às cores simbólicas dos orixás. Sua denominação faz referência à costa africana, mais precisamente a ocidental, local de origem dos muitos produtos trazidos para o Brasil, especialmente para o recôncavo baiano.

De formato retangular – o tamanho padrão é de dois metros de comprimento por 60 centímetros de largura, é composto de faixas, tecidas em tear horizontal, depois,costuradas manualmente, formando padrões, em geral geométricos e bicolores, que seguem as texturas dos fios de algodão combinados com os de seda, caroá e outros materiais.

Seguindo esses padrões formais, o pano-da-costa – usado sobre um ombro, pendendo uma das pontas sobre o peito e a outra sobre as costas – adquire sua identidade de produto que integra a roupa tradicional de baiana e suas variações sociais e religiosas. Listrado, liso, estampado ou bordado em richelieu ou renda, é por meio dele que a mulher demonstra sua posição hierárquica na organização sócio-religiosa dos terreiros.

Em Salvador/BA, mais precisamente no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, a tecelagem tradicional do pano-da-costa está ligada ao uso e ao simbolismo sócio-religioso do tecido na composição das roupas rituais do candomblé.

 



Sendo este presença e distintivo do posicionamento feminino nas comunidades religiosas afro-brasileira, o pano-da-costa, não é apenas um complemento da indumentária da mulher; é a marca do sentido religioso nas ações da mulher como iniciada ou dirigente dos terreiros.

Observemos a profunda conotação sócioreligiosa desse simples pedaço de tecido, que atua em tão diversificadas situações, desempenhando papéis dos mais significativos e necessários para a sobrevivencia dos rituais africano.

O pano-da costa é assim chamado por ter sido um tipo de tecido vindo da costa dos escravos, Costa Mina, Costa do Ouro.

O tecido original foi substituido por outros tipos de tecidos, o que não diminui em nada as funções do pano-da-costa.

O pano-da-costa identifica a mulher feita, mesmo que ela não esteja de roupa de santo completa.

A situação do pano-da-costa é de maior importância, se colocarmos a presença da mulher como símbolo do poder sócio religioso e arquétipo dos valores mágicos da fertilidade, isso motivado pelas formas anatômicas características da mulher.

O sentido protetor do pano-da-costa é outro aspecto que merece atenção. As iyawos, ao terminar o período de feitura começam a travar seus primeiros contatos com o mundo exterior protegidas pelo pano-da-costa branco, que representa o prolongamento do Ala de Oxala, envolvendo praticamente todo o seu corpo no grande pano-da-costa, procura manter os valores religiosos de sua feitura quando em contato com os valores profanos encontrados extramuros dos terreiros

Nos sirruns/axexes, a mesma proteção do pano-da-costa, ateado como capa envolvente mágica, aparece guardando as mulheres das presenças de egum.

O pano-da-costa é de uso exclusivo da mulher nos cultos afro-brasileiro, porque uma das principais funções do mesmo é proteger os orgão reprodutores das mulheres, das Yamis, já que as  energias emanadas das mesmas prejudicam muito todo o aparelho reprodutor da mulher.

Nos rituais de sirrum/axexe as mulheres usam dois panos-da-costas branco: um protegendo seus ventres e outro sobre os ombros como uma capa que envolve todo o seu colo e seios.

No Rio de Janeiro convencionou-se que o pano-da-costa deve ser usado de acordo com a idade de santo, isto é, só usa preso acima dos seios aquelas que ainda são yaos. Esta errado, pano-da-costa é para ser usado dessa forma mesmo independente da idade de feitura.

De alguns anos para cá os homem aderiram o pano-da-costa, mas nenhum deles até agora explicou o porque de usa-lo e nem podem explicar pois o mesmo é de uso exclusivamente feminino.

Observem que as santas mulheres usam o pano-da-costa, os santos homens usam o pano-da costa amarrados no ombro.

Em algumas casas encontramos abians usando pano da costa, esse procedimento esta errado. As abians ainda não tiveram seus chakras abertos durante uma feitura, portanto as mesmas não necessitam dessa proteção ainda.

 



No caso das Egbómis, o pano da Costa deve ser colocado na cintura elegantemente ou sobre o peito, jamais deve ser enrolado ou torcido, feito uma faixa ou Ojá, na cintura.

Uma iniciada deve saber usar o pano da Costa, pois este é uma peça do vestuário muito importante. Outro fato relevante é quanto à estampa e cor do tecido. São adequadas as estampas em listras e quadros que lembram as formas presentes na indumentária nigeriana. Quando feitos de tecido liso, devem ser de cores claras: branca, bege, rosa ou azul claro.

Nunca devem ser de cores quentes, berrantes, de seda ou estampados vivos, o que causaria “risos” entre as iniciadas mais antigas.

Pano da Costa na cintura ou no peito é demonstração de trabalho, assim usados no barracão, quando em função religiosa.Caso contrário, no dia-a-dia do terreiro pode ser “jogado” sobre o ombro direito e se mantém esticado ao longo do tronco. Não se “dança” sem esta peça da indumentária.

Mesmo fora do trabalho, para visita ou passeio o seu uso é indispensável. Em casas tradicionais, quando uma iniciada chega sem o pano da Costa é comum a proprietária do terreiro emprestar um à visitante, que, em sinal de educação ou respeito, coloca-o sobre o ombro direito ou, se entrar na roda, usa-o de maneira adequada à sua posição dentro da hierarquia do Candomblé;

O pano da Costa é a peça de maior significado histórico dentro do vestuário africano, em conjunto com o torso. O uso de saia, Camisu ou bata e pano da Costa são indispensáveis dentro do Axé... A maneira de amarrar, colocar ou “enrolar” o pano varia de acordo com a situação, o ritual desenvolvido ou a posição hierárquica;

 Iyáwô não usa o pano na cintura, mas sim enrolado no peito.
(Parte do livro Sobre o Signo de Omolu - Samuel Abrantes)

 

Pano da Costa é a redução do termo "Pano da Costa do Santo", e referia-se aos panos de adorno, espécie de xales longos, que integravam o traje típico das africanas e das crioulas da Bahia.


Chamam-se panos da costa, aos tecidos artesanais de origem africana. Tais como os demais produtos importados da África,sabão da Costa, limo da Costa, búzio da Costa, e que tinham uso popular, são conhecidos pelo adjetivo "da Costa", muito embora a origem de alguns deles seja vária e ainda controversa.
A princípio esta denominação estendia-se a todos os tecidos importados da África, qualquer que fosse a sua aplicação; o uso lhe foi restringindo o campo até a limitação ao xale. O pano da Costa é, portanto, uma peça de vestimenta tecida de algodão, lã, seda ou ráfia — às vezes em dupla associação desses elementos — que a crioula baiana deita sobre pontos diversos das suas vestes, às vezes, ajustando-o ao corpo em formas convencionais e relativas às diferentes funções que se apresta a desempenhar momentaneamente.

 

É, em suma, um xale retangular, cuja disposição informa ao que vai a sua portadora.
É usado de várias formas: sobre as costas, jogados sobre os ombros, usados a tiracolo, cruzados na frente, amarrados sobreo o busto ou na cintura, sobre as saias.
Tem uma variedade infinda, seja nas cores ou nas padronagens.
A África negra tem uma longa tradição textil, onde a variedade de materiais é tão grande quanto os estilos encontrados. Utilizados como roupa, os tecidos serviram também de moeda, foram utilizados como mensageiros e objetos estéticos.
Diz-se com frequência que os Africanos eram mais escultores que pintores : os tecidos podem ser considerados, na África, substitutos da pintura.
Os primeiros "tecidos" foram realizados com casca de árvore batida; muito difundidos antigamente numa grande parte do continente, eles são encontrados atualmente sobretudo nas populações da África central, onde são, na maioria das vezes, decorados com tintas vegetais.


A tecelagem só foi desenvolvida bem mais tarde, a partir do século 11, mesmo se tecidos ricamente trabalhados já eram importados dos países da África do norte, do Egito e da península arábica para vestir as populações das grandes cidades portuárias das costas orientais assim como os membros das classes nobres dos reinos do deserto do Sahel.


Nesta mesma época, a expansão do islã, introduzindo novos códigos vestimentários, desempenhou um papel importante no desenvolvido que sofreram os tecidos, sobretudo na África ocidental.

Os tecidos de fabricação local constituíram durante muito tempo bens raros e preciosos; marcas de poder e de riqueza, reservados a uma elite, eles foram integrados como moeda para troca, graças aos quais era possível estimar o preço de uma mercadoria e comprá-la.


Desde sua chegada nas costas do continente, no século 15, os traficantes europeus exploraram as possibilidades comerciais que ofereciam esta nova "moeda" e encorajaram indiretamente a produção textil local devido à sua utilização.
A quantidade de tecidos detidos por cada família foi considerada durante muito tempo uma marca de riqueza e de poder em muitas sociedades africanas.
Nas regiões onde o islã se instalou, como em todas as outras regiões onde o tecido se transforma em hábito vestimentar, a metragem e o peso do produto são proporcionais à fortuna e ao poder daquele que os possui: se este faz parte das pessoas influentes da comunidade, chefe político ou grande comerciante, sua numerosa corte que o segue quando ele sai deve ser como ele, enrolada em abundantes tecidos.


O poder se mede também na possibilidade de dispor de seus bens e de distribui-los e, entre eles, os tecidos constituem presentes excepcionais.
Dar tecidos como presente possibilita a solução de inúmeros conflitos e libera as tensões. Esses presentes são feitos em momentos importantes da vida de cada um (maioridade, casamento, nascimento dos filhos).


A ascensão social ou religiosa ou o pagamento de serviços não pode acontecer sem a distribuição de tecidos. Para manter boas relações com a família, os amigos, os vizinhos, para ser admitido numa seita, cada pessoa é incitada a dar tecidos e a recebê-los.


A posse de uma grande quantidade de tecidos aumenta o prestígio do seu proprietário, o que lhe possibilita uma maior participação na vida comunitária, onde o princípio da dívida é a base de toda relação social e econômica.
Mas o tecido não é somente moeda ou roupa: ele representa também, de acordo com seu estampado, uma espécie de texto onde podem ser "lidas" a identidade social e religiosa daquele que o usa: a decoração, seja ela impressa, tingida, pintada, tecida ou costurada, representa os espaços, os objetos, os seres e as metamorfososes presentes na mitologia.
Por este motivo, os tecidos têm um papel importante na vida ritual: os mortos, mesmo no seio de sociedades que não possuem tecelões, são vestidos ou envolvidos em tecidos, tornando-se assim protegidos pela palavra dos vivos.

APETRECHOS RITUALISTICOS - PARTE II - ASSENTAMENTO-IGBÁ

Significado de um Igbá 

 


Na religião Yorùbá, Igbás (awọn igbá) são assentamentos de orixá (òrìṣà). Um assentamento é uma representação do orixá (òrìṣà) no espaço físico, no mundo, no aìyé. Sob o ponto de vista sacro não existem representações humanas de orixá (òrìṣà).

A religião Yorùbá não tem imagens para representar suas divindades, o que representa uma divindade é o seu Igbá, ao olharmos um Igbá é como se estivéssemos olhando para a divindade. Secularmente existem representações em forma de desenhos e esculturas mas que são frutos apenas de criatividade de artistas e não tem uso sacro.

Os orixá (awọn òrìṣà) são adequadamente representados por símbolos e grafismos próprios de cada um e por extensão por outros elementos como folhas, arvores, favas e contas. Mas o Igbá é a sua representação mais adequada.

Vale refazer a afirmação, já explicada em outro material, de que o orixá (òrìṣà) não são elementos da natureza, assim “olhar” o vento não significa olhar para oya, olhar uma pedra não significa olhar para Xango (ṣàngó), olhar para o mar não significa olhar para yemoja, etc..


O mesmo sentimento que um católico tem ao olhar para uma imagem de um santo em sua igreja e altar, o povo de santo tem ao olhar para um igbá. É muito comum as pessoas, nos seus quartos de santo, “vestirem” seus Igbá com suas roupas de orixá (òrìṣà) como se fosse o próprio orixá (òrìṣà). Contudo, igbá são de acesso muito restrito, de uso exclusivamente sacro e ritualístico, não tem visibilidade pública e ficam guardados dos olhos de todos.


Dessa maneira, cada Igbá representa uma divindade através de um continente (Vaso, invólucro, recipiente) e seu conteúdo, e esse conjunto, continente e conteúdo é específico de cada divindade. Esses continentes podem ser de porcelana (substituindo cabaças), barro ou madeira e serão empregados distintamente para cada divindade que ele representa. São usados elementos físicos comuns, como tigelas, sopeiras, pratos, bacias e alguidares.
O iniciado no seu processo de feitura (que é distinto de uma iniciação mas muitas vezes essas expressões se confundem) poderá receber um ou vários Igbá, dependendo do seu status na religião e da própria tradição da casa em conduzir este ritual.


Mas o igbá não é o orixá (òrìṣà) no aìyé. Essa religião não coloca um orixá (òrìṣà) dentro de uma sopeira, não é uma religião animista. O igbá representa apenas a ligação entre os 2 espaços, o espaço físico aìyé e o espaço espiritual o Orun (ọ̀run). É uma “ponte” entre os 2 espaços. Sua função não é trazer o orixá (òrìṣà) para o aìyé porque os orixá (òrìṣà) já estão presentes em nossa vida o tempo todo, não existe secularismo na religião. Sua função é completamente ritualística.


O igbá é, de fato, dentro de toda a religião Yorùbá uma dos elementos mais importantes e significativos por traduzir a contínua relação entre o Orun (ọ̀run) e o aìyé. Ele representa o reconhecimento da existência do espaço espiritual, o Orun (ọ̀run), e a ligação perene que existe entre os 2 espaços (ọ̀run-aìyé) na forma de um contínuo duplamente alimentado e da circulação, transformação e reposição de axé (àṣẹ). Dessa maneira o seu valor não esta somente na sua existência como instrumento ritualístico, como foi ressaltado no início, mas também no que ele representa.


Toda religião tem símbolos e simbolismos. Uma cruz para os católicos representa muito também: todo o significado da paixão e do sacrifício de Jesus. Assim esse símbolo traduz em sí muito mais do que somente a lembrança da crucificação de Jesus e sim um todo da sua doutrina, poderíamos falar muito apenas olhando para uma cruz. O mesmo vale para um Igbá. Nada é mais sagrado por sí só pelo seu uso e nada pode traduzir tanto da doutrina que cobre a religião Yorùbá como o entendimento da sua função.


O Igbá é uma manifestação de Fé, e por isso um reconhecimento de nossa Fé na religião. De acordo com a metafísica Yorùbá, para tudo que existe no aìyé existe um duplo no Orun (ọ̀run). O Igbá é um elemento de ligação entre essas 2 porções e um instrumento de concentração de energia. É usado para nos ligarmos às divindades, liga o físico à dimensão espiritual, a dimensão aìyé à dimensão Orun (ọ̀run).


O objetivo de um Igbá é potencializar a ligação Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) sendo o instrumento que no aìyé representa o duplo do Orun (ọ̀run). O Igbá esta vinculado diretamente à uma pessoa no aìyé mas não a representa e sim ao duplo do Orun (ọ̀run). Como já foi dito ele não armazena um orixá (òrìṣà), ele não é uma lâmpada mágica que esfregamos para dali sair um orixá (òrìṣà). Ele é a ponte de ligação direta entre o aìyé e o Orun (ọ̀run) entre o iniciado no aìyé e suas energias e divindades no Orun (ọ̀run).


Um dos principais usos que se dá a ele é receber os Ebós (ẹbọ), que são sacrifícios de todo o tipo, entendendo que o sentido de sacrifício na religião não envolve o uso de sangue em sí. Um sacrifício por ser qualquer oferenda que vai se converter em axé (àṣẹ). Um Obi é um sacrificio, um Acaça é um sacrifício e pode substituir um boi.


Esse aspecto de participar ativamente de Ebós (ẹbọ) é uma finalidade muito importante, mas não imprescindível. Não se precisa de uma Igbá para fazer uma oferenda, mas, todo sacerdote tem e usa os seus para isso. Isso tem todo o sentido, sendo o Igbá um elemento de ligação ou de potencialização dessa ligação como esta sendo dito realizar isso junto a eles é fazer esse instrumento funcionar.
Em outro material esta muito bem explicado essa questão do Ebós (ẹbọ) mas é importante lembrar que um Ebós (ẹbọ), uma oferenda é um parte de um processo de transmissão e reposição de axé (àṣẹ) e os elementos utilizados são transmutados em energia, em axé (àṣẹ).


Dessa maneira ao se fazer isso através de um Igbá esta se fazendo chegar ao duplo do Orun (ọ̀run) referenciado por aquele Igbá a transmutação da energia dos elementos afins a ele que foram usados no sacrifício.
O ponto que esta sendo ressaltado é que o Igbá em um Ebó (ẹbọ) é o instrumento que direciona, potencializa e agiliza a este ase chegar ao Orun (ọ̀run). O Igbá não é um instrumento para “alimentar” o iniciado no aìyé.O Igbá pode ser coletivo ou individual. Quando coletiva chama-se Ajobó (ajọbọ) e liga uma comunidade a sua comunidade espiritual, ao coletivo que ela representa e a divindade que a protege. Quando individual liga a pessoa ao seu reflexo no Orun (ọ̀run).

 

 

Do que é feito um Igbá?
O Igbá é feito usando materiais que estão ligados à divindade que ele representa. Assim o material e o seu conteúdo ajudam a estabelecer a relação, devendo ser utilizados sempre elementos completamente afins com a divindade e que traduzem a matéria original do Orun (ọ̀run). Conhecer essas relações e afinidades é parte do aprendizado de um iniciado durante sua vida e somente aqueles que as conhecem terão verdadeiro sucesso no seu trabalho ritualístico.O principal elemento dentro de um Igbá é a pedra, o okuta. Acima de todos os demais componentes ela receberá todo o trabalho ritual de preparação e por essa razão muitos dizem que é a única coisa importante, todo o demais é apenas decorativo. O pedra para os Yorùbá significa a longevidade a existência perene.


Os demais elementos fazem parte do enredo do orixá (òrìṣà) de maneira que não são apenas decorativos. Entretanto muitos itens que são colocados em um igbá pode ser meramente decorativos.


Os demais elementos em um Igbá variam entre metais, favas, folhas e outros materiais que remetem ao orixá (òrìṣà) original. O elemento escolhido para o continente do Igbá também terá relação direta com ele. Tudo dentro de um Igbá é feito para traduzir a matéria original do Orun (ọ̀run) que foi materializada no aìyé através do iniciado ou da comunidade que o Igbá representará.
A escolha de cada elemento depende de para quem será feita a ligação. Cada orixá (òrìṣà) tem os seus elementos correspondentes no aìyé. Adornos e enfeites exteriores que apenas agradam ao ego de quem faz não ajudam nisso. O importante são as folhas, as favas, os metais e outros elementos genéricos como os búzios. Entendo que moedas, muito presentes, deveriam ser representadas apenas pelos búzios, que eram dinheiro, mas muita gente coloca mais como um desejo de prosperidade do que um elemento de ligação de fato. O material do recipiente externo é escolhido entre algumas opções. A cabaça é substituída pela porcelana branca para os orixá (òrìṣà) fun fun, o barro e excepecionalmente a madeira para um orixá (òrìṣà) específico. As cores desses materiais e elementos decorativos vão compor esse conjunto de forma harmoniosa. Para os caso das cores existe muita criativade. Os Yorùbá reconhecem apenas 3 cores, o branco, o vermelho e o preto. Todas as demais cores são elementos de uma dessas 2 famílias e as representam da mesma maneira. Assim o verde e o azul são elementos da cor preta. O amarelo do vermelho e por assim vai.Todo Igbá individualizado é composto de um recipiente com tampa (continente) contendo a pedra, okuta, o núcleo do Igbá e os demais elementos com água, óleos e outros elementos líquidos. O igbá sem tampa são usados em assentos coletivos, não individualizados, eventualmente casas e axé (àṣẹ) podem fazer variações disso.

 

O vínculo Ọrun-aìyé

 

Uma questão importante quando falamos de Igbá é o que ele traduz de fato e a questão de a quem pertence e o que ele traduz . Como explicado, já extensivamente, é um elemento de ligação e pode ser coletivo ou individualizado, mas, como explicado nunca é o orixá (òrìṣà) no aìyé.
Os aspecto coletivo-indivíduo também é uma das características marcantes da ritualística da religião. Estamos todo o tempo lidando com essas 2 faces do divino que é coletivo como todo o divino, mas, para os iniciados, os sacerdotes totalmente individualizado em sua manifestação.


O exemplo mais individualizado possível do divino é o doIgbá ori. Nada é mais próprio, pessoa e individualizado do que um Igbá Ori. Seguindo o que repetimos a exaustão, oIgbá é a representação no aìyé do duplo no Orun (ọ̀run), o ori no Orun (ọ̀run) a divindade pessoal, que esta no Orun (ọ̀run) e nos protege, guia nossos passos, abre e fecha nossos caminhos e esta acima de qualquer orixá (òrìṣà) em nossa vida. Não representa o Ori que está no aìyé uma vez que esta resida na própria pessoa. Usamos o Igbá ori para chegar ao Ori no Orun (ọ̀run) o duplo por excelência. No processo que chamamos de Bori a oferenda ao Ori, o processo de reposição de axé (àṣẹ), duas entidades serão alimentadas com axé (àṣẹ) o duplo do Orun (ọ̀run) e o Ori que esta no aìyé.


O Igbá Ori nesse processo e durante o processo, é criado e é por excelência o elemento fundamental na execução de um Bori mas pode não mais existir após a sua execução. Uma vez realizado o Bori ele pode ser desfeito, despachado junto com os demais elementos utilizados e oferecidos. Contudo nada impede, como provavelmente na maior parte das vezes, ele ser preservado, o tornando mais perene e forte o vínculo Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) .
É claro que esse vínculo não se perde quando despachamos o Igbá, da mesma forma que nenhum vínculo de desfaz quando despachamos um Igbá ou não o temos. O Igbá é um instrumento de intensificação disso a ser criado e usado por que sabe o que esta fazendo.


Na tradição do Candomblé onde o culto ao Ori se manteve sempre presente e importante não se faz um Bori sem que seja criada a representação no aìyé do Ori. Não me interessa tratar aqui da forma como outras tradições religiosas da mesma base fazem isso porque muitas delas não o faziam e adotaram tardiamente copiando o que viam ou ouviam falar e muito menos o que tradições africanas que perderam a sua origem no processo de cristianização e islamização tendo que buscar em literatura suas origens. No Candomblé sempre foi feito assim.


Dessa maneira o Igbá Ori é um exemplo vivo, conhecido e forte do que foi dito aqui sobre o que é um Igbá, sua finalidade, seu uso e aplicação prática.Voltando ao ponto do coletivo individual, no caso dos orixá (òrìṣà), na feitura de um olorixá o processo de ritual é todo voltado para a individualização. Assim, se inicia com o genérico que é o orixá (òrìṣà) e se faz a individualização deste através da ligação Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) para a pessoa, e isso é realizado no momento em que se cria a ligação Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) através do Igbá. Os animais que serão usados, os elementos colocados e dispostos, a ritualística de elaboração. Uma determinada qualidade será feita com o okuta indo ao fogo, etc... A individualização nascerá nesse momento e oIgbá por excelência é a marcação desse caminho, distinguindo assim um assento coletivo de um assento individual através da ligação Ori-okuta. O processo de individualização passará pela ritualística e também por materiais, metais, favas e folhas, específicos daquele orixá (òrìṣà) para aquela pessoa.
Já o orixá (òrìṣà) genérico será ligado através do Igbá genérico aquele que não passará pelo processo de individualização.


Dito isso voltamos ao ponto de que um Igbá òrìṣà criado dentro do processo de feitura não é um Igbá genérico ou coletivo, ele foi individualizado através da ligação Ori-okuta e sempre estará ligado aquele Ori.
Dentro da ritualística devemos lembrar que a pessoa é preparada para ser ele próprio o receptáculo do orixá (òrìṣà), o seu Igbá vivo. Um Ìyawó é um Igbá vivo do seu orixá (òrìṣà). O Igbá físico complementa isso ligando não mais o orixá (òrìṣà) genérico mas sim o orixá (òrìṣà) individualizado no Ìyawó ao orixá (òrìṣà) origem no Orun (ọ̀run) através de uma ligação individualizada, do Igbá individualizado.
Esse aparato físico ritualizado na iniciação deixa de ser matéria ordinária, barro, metal, ou fava e passa a constituir o caminho metafísico para o orixá (òrìṣà). Mas também não é mais uma ponte para o axé (àṣẹ) genérico do orixá (òrìṣà) e sim a sua fisicalização individualida naquele Ìyawó. Assim temos 2 caminhos, o caminho coletivo e genérico e o caminho individualizado. Os Igbá são os instrumentos de amplificação dessa relação entre os 2 espaços e o acesso ao ase de cada orixá (òrìṣà). Todo o processo de equilíbrio e restituição de axé (àṣẹ) passara por eles para ir ao duplo no Orun (ọ̀run) e retornar no aìyé para quem necessita.
Uma pessoa não será dependente de seus Igbá. Acima de tudo a relação desses espaços sempre existirá e jamais estamos não assistidos. Podemos não ter o instrumento de amplificação mas sempre teremos nosso ori e todos os orixá (òrìṣà).A quem pertence um Igbá?
Um Igbá ori é tão pessoal que jamais deveria ser mantido no Ile, longe de seu dono. Esse Igbá é completamente individualizado uma vez que não encontraremos no Orun (ọ̀run) um Ori coletivo mas sempre individual de forma que ele e só tem sentido e utilidade pelo seu próprio dono. Deveria assim estar junto da pessoa na sua casa. Nos casos em que essa pessoa não tem condições de mantê-lo em casa o Ilê Axé (Ilé àṣẹ) é o lugar natural.
O problema sempre surge em relação aos Igbá de orixá (òrìṣà) que despertam grandes paixões. Esta é uma religião praticada em torno dos orixá (òrìṣà) e seu culto assume demais importância. Deveria ser um culto ao Ori, a família e a ancestralidade mas o culto ao orixá (òrìṣà) assume proporções muito grandes.
Uma pessoa durante o seu processo de iniciação poderá receber um ou muitos Igbás, tudo depende da tradição da casa. Eu entendo que o mínimo que uma pessoa deve ter após sua iniciação seria, o seu igbá ori (que já deveria existir bem antes, muito antes da pessoa se iniciar), o Igbá do seu orixá (òrìṣà) e o Igbá ou assentamento do Exu bara (èṣù bara) do seu orixá (òrìṣà). Esta conjunto Igbá orixá + Exu bara é básico e imprescindível.


A este conjunto básico outros elementos podem ser adicionados como o Igbá do seu juntó que é o seu segundo orixá (òrìṣà), e os Igbá do seu enredo de orixá (òrìṣà). Deve se entender por enredo o conjunto de orixá (òrìṣà) que formam sua energia no aìyé e isto esta diretamente ligado ao processo de individualização. Assim a quantidade e qualidade dos Igbá que uma pessoa terá como parte do seu “enredo” depende da sua qualidade de orixá (òrìṣà) e de seu próprio caminho na religião, coisa que só é determinado durante o processo de feitura e consultas ao Oráculo.


Algumas casas fazem todos esses Igbá durante o processo de iniciação, outras vão adicionando isso ao longo das obrigações de 1, 3 e 7 anos. Se a pessoa terá Oye de babalorixá (babalórìṣà) ou dependendo o oye que essa pessoa venha a ter, o conjunto de Igbás (awọn igbá) será distinto de pessoas que não terão oye – cargo sacerdotal. Observe que nem todo mundo que é iniciado nessa religião será um babalorixá (babalórìṣà) ou iyalorixá (ìyalórìṣà). A maior parte sera formada de egbons, mais velhos.


Um iniciado em uma casa terá então uma quantidade significativa de Igbás. Mas, a quem pertence isso, a quem pertencem esses Igbás? Digo isso porque todos devem ter conhecimento do problema envolvido na posse de Igbá orixá. Muitas casas não permitem que nunca a pessoa retire osIgbá de dentro dela, nem mesmo quando seria natural que é quando a pessoa completa seus 7 anos.
O mais comum é que após desavenças durante o seu período de Ìyawó a pessoa quera deixar o Ilê Axé (Ilé àṣẹ) e naturalmente queira levar consigo os seus Igbás. Muitos as vezes nem conseguem mais entrar e ficam preocupados tendo deixado para trás seus Igbás devido a eles representarem um ponto de vulnerabilidade.
De fato, todos tem razão. Um Igbá sempre será um ponto de vulnerabilidade, principalmente o igbá ori. Esse jamais deveria estar em um Ilê Axé (Ilé àṣẹ). Mas a primeira coisa que tenho a dizer é tome cuidado com o que faz da sua vida. Nunca entre em nada sem avaliar tudo antes. Tem que conhecer primeiro a casa, o dirigente e as pessoas que frequentam a casa. As pessoas se dão mal porque se precipitam, colocam a vaidade na frente. Assim se a decisão de iniciação for mais consciente os problema serão menores. Segundo não se sai de um Ilê Axé (Ilé àṣẹ) por qualquer motivo fútil. Se foi seu orixá (òrìṣà) que escolheu aquela casa (essa é a tradição, é o orixá (òrìṣà) que escolhe onde quer ser iniciado e não a pessoa) então se submeta aos caprichos de outros. Mantenha o seu respeito e sua individualidade mas vaidade por vaidade a sua deve ser a menor.


Durante uma feitura não existe apenas um processo de individualização existe também um processo de ligação com o axé (àṣẹ) da casa e do iniciador. Um Ìyawó está fortemente ligado a casa e a pessoa que o iniciou. O processo ritualístico leva componentes que criam essa ligação, assim o iniciador considera que aqueles igbá não são independentes, eles adicionaram axé casa e receberam axé da casa. Foram parte de um conjunto. É entendido que seu sentido de existir é dentro daquela casa.


Se a pessoa sair, que faça seus Igbá na sua próxima casa. De maneira que não estamos discutindo a propriedade de louças e barro e sim de asé. Isso é verdade. Se você deixa para trás os seus Igbás, não se preocupe, faça outros no próximo lugar que vai, o orixá (òrìṣà) vai com você.Eu entendo que o ninguém segura ou fixa um orixá (òrìṣà) na sua casa mantendo o Igbá de um iniciado que se foi. OIgbá é uma individualização e só tem sentido, só tem função junto ao próprio iniciado. Se quiser manter um orixá (òrìṣà) em casa que trate melhor as pessoas.

O Igbá e a morte 


Com a morte do iniciado o Igbá deixa de ter sentido. A ligação não mais existe e se você não quer conviver com um egun atrás de você é recomendado que despache tudo junto. Existem pessoas que entendem que se deve consultar o Oráculo para saber se o orixá (òrìṣà) quer ir embora ou não, ou seja, se o Igbá vai ou não no carrego e em vitude dessa consulta muitos Igbá ficam no Ilê Axé (Ilé àṣẹ). Entendo que é um forma de ver isso. Acho mais natural que tudo se vá, não há motivo para se manter um vínculo Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) com um ori que não mais existe no aìyé isso vai contra o fundamento do axexe (aṣeṣe), mas, cada um siga sua consciência e o que aprendeu.

APETRECHOS RITUALISTICOS - PARTE I - CABAÇAS

 


IGBÁ — A UTILIZAÇÃO DA CABAÇA RITUALÍSTICA

 

A cabaça é um fruto vegetal com larga utilização no Candomblé. É o fruto da cabaceira. Inteira, é denominada cabaça; cortada, é cuia ou coité; e as maiorias são denominadas cumbucas.

Nos ritos do Candomblé, sua utilização é ampla, tomando nomes diferentes de acordo com o seu uso, ou pela forma como é cortada. Os yorubas, como todos os outros povos, aproveitavam as igbá [cabaças] como vasilhas para uso doméstico e ritualístico. As cabaças, dependendo do seu uso, recebiam nomes diferentes:

A cabaça inteira é denominada Àkèrègbè¹, a cortada em forma de cuia toma o nome de Ìgbá². A cortada em forma de prato é o Ìgbájé3 , ou seja, o recipiente para a comida; a cortada acima do meio, forma uma vasilha com tampa, tomando o nome de Ìgbase4 ou cuia do Àse, e é utilizada para colocar os símbolos do poder após a obrigação de sete anos de uma Ìyàwó como a tesoura, navalha, búzios, contas, folhas, etc. que permitirão à pessoa ter o seu próprio Candomblé. Ado5 - cabaças minúsculas são colocadas no Sàsàrà de Omolu, como depósito de seus remédios. No Ógó de Èsù, uma representação do falo masculino, as cabaças representam os testículos. 

6 Usa-se uma das partes da cabaça cortada ao meio, e colocada na cabeça das pessoas a serem iniciadas e que não podem ser raspadas por serem Àbìkú, para nela serem feitas as obrigações necessárias.

Com o corte ao comprido, torna-se uma vasilha com um cabo, chamada de cuia do Ìpàdé7 e serve para colher o material de oferecimento ou para colher as águas do banho de folhas maceradas.

Inteira e revestida de uma rede de malha será o Agbè8, instrumento musical usado pelos Ogans, durante os toques e cânticos.

Uma cabaça com o pescoço comprido em forma de chocalho é agitada com as suas sementes, fazendo assim o som do Séré9, forma reduzida de Sèkèrè, instrumento por excelência de Sàngó. 

10 A cabaça inteira em tamanho grande substitui nos ritos de Àsèsè, a cabeça de uma pessoa que morreu e que por alguns fatores não é possível realizar as obrigações de tirar o Òsu. 

Por fim, pode ser lembrado que a cabaça cortada em forma de vasilha com tampa é conhecida como Ìgbádu11, a cabaça da existência e contém os símbolos dos quatro principais Odù: Éjì, Ogbè, Òyekú Méjì, Ìwòri Méjì e Òdí Méjì.

1 - Akèrègbè - cabaça de bom tamanho [30 a 50 cm], servindo como vasilha para líquidos.

 


2 - Igbá - cabaça cortada em forma de cuia.  ÌGBÀ = assentamento de Orixá; panela onde se guardam os objetos sagrados dos deuses e se faz o sacrifício

 

 

3 - Ibajé -  cabaça cortada em forma de prato. Recipiente para a comida.

 

 

4 - ÌGBASE - Cabaça cortada acima do meio, formando uma vasilha com tampa

 

 

5 - Ádo - pequena cabaça utilizada para armazenar pós ou remédios. É aquela que se vê nas figuras de Exu, Osaniyn e Obaluaiye.

 



6 - Cabaça cortada ao meio

 

 

7 - Cabaça do Ipade

 

 

 

8 - Agbé - Inteira e revestida de uma rede

 

Xequere instrumento musical

9 - Séré - cabaça com um longo e fino pescoço. Quando cortada ao meio, serve como uma concha. Quando inteira, serve como chocalho ritualístico para anunciar Xango, sendo chamada então de SÉRÉ Sángo.

                                          


10 - Cabaça Inteira - 

 


11 - Igbadu

 

 

 

12 - Ahá - pequena cabaça servindo como copo ou xícara para tomar remédios e bebidas.

 

 

13 - Ató - cabaça pequena e comprida, utilizada para guardar remédios.



14 - Pòko - ou a metade superior ou a inferior de uma cabaça de forma oval.

 

 

 15 - Igbá kòtò - cabaça larga e alta, usada para guardar ÈkO [um bolo de milho] quente. Tem uma tampa que pode ser usada como funil.

 

 

16 - Koto - cabaça grande e larga, semelhante a um cesto [em formato].