MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Veja muito importante)

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE UMA DAS VARAS

CÍVEIS DA JUSTIÇA FEDERAL/SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO – SP

“Mas acontece que essa gente se instalou na Bahia para exterminar

a religião africana, inaugurando uma guerra contra o candomblé,

contra os terreiros e contra a beleza da África Brasileira. Eles dizem

para os pobres lá do seu palácio, no Iguatemi: ‘o candomblé é a

religião do demônio’ e todos têm de aderir à sua Igreja Universal.

Declararam guerra à mais bela de nossas tradições culturais e isso

pode ser combatido pelas autoridades e só por elas, pois a

Constituição proíbe a demonização de religiões por outras” – (Arnaldo

Jabor, Rádio CBN, 03/02/2002).

O exorcismo é a atração da noite (...)

“Em pleno horário nobre da televisão, demônios e almas de má

índole estrelam uma estranha atração, com ares de ‘reality show’.

(...) Dramas de toda sorte, martela o programa, são causados por

‘encostos’, almas penadas que, seguindo os ditames da religiões

afro-brasileiras, têm o dom de entravar a vida das pessoas. (...) Às

vezes a retórica fica ainda mais macabra. Em vez de encostos, exibese

o que seria a manifestação do próprio demônio”- (Revista Época,

disponível em www.epoca.com.br, acesso em 17.11.2004).

“(...) torna-se necessário defender não só a liberdade de imprensa

mas também a liberdade face à imprensa” – (Vital Moreira, O direito

de Resposta na Comunicação Social).

"O Direito de Resposta dever ser considerado tão necessário à

liberdade de imprensa, que seria mesmo intolerável não existisse,

vez que a responsabilidade nasce da liberdade de imprensa, ambas

se achando em relação de conexidade estreita, pois cessando a

liberdade de imprensa, cessa naturalmente o direito de resposta"

(Trecho de sentença proferida pelo Juiz Mario Ernesto Ferreira,

julgando o feito nº 19198).

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O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelas Procuradoras

da República signatárias; e

INSTITUTO NACIONAL DE TRADIÇÃO E CULTURA

AFRO BRASILEIRA – INTECAB, representada por Francelino Vasconcelos

Ferreira;

CENTRO DE ESTUDOS DAS RELAÇÕES DE

TRABALHO E DA DESIGUALDADE - CEERT -, representado por Luiz Antônio

Silva Bento; todos por seu procurador e qualificados consoante instrumentos de

procuração anexos,

vêm à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art.

127, caput, da Constituição Federal, no art. 6º, XIV, “g”, da Lei Complementar 75/93

e demais dispositivos legais, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

PARA GARANTIA DO EXERCÍCIO DE DIREITO DE RESPOSTA COLETIVO

em face de

REDE RECORD DE TELEVISÃO, situada na Rua da

Várzea, 240, Barra Funda, CEP 01140-080, São Paulo/SP;

REDE MULHER DE TELEVISÃO, situada na Avenida

Miruna, 713, Moema, CEP 04084-002, São Paulo/SP; e

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UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público,

com endereço para citações na Avenida Paulista, nº 1.842, 20º andar, Cerqueira

Cesar, CEP 01310-200, nesta Capital; podendo esta vir a integrar o pólo ativo,

dependendo da postura que vier a assumir, quando de sua citação;

pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

1. DOS FATOS

Em 15.12.2003, o Ministério Público Federal em São Paulo recebeu

representação para instauração de procedimento administrativo, autuado sob o n.º

1.34.001.006422/2003-04, com a finalidade de apurar eventual preconceito e

discriminação racial praticadas pela Rede Record de Televisão e Rede Mulher de

Televisão (Doc. 01).

O que deu origem à representação, oriunda de diversas entidades afrobrasileiras,

foi a veiculação reiterada pelas emissoras rés de programas religiosos

com enfoques negativos sobre as religiões de matriz africana, valendo-se de

expedientes de cunho discriminatório.

Segundo consta na representação, as palavras, no mínimo pejorativas,

“encosto”, “demônios”, “espíritos imundos”, “pai de encosto”, “mãe de encosto”,

“bruxaria”, “feitiçaria”, “sessão de descarrego” são usadas com freqüência e

intercaladas com o uso do vocábulo “macumba” e outros relativos às religiões de

matriz africana.

Alegam ainda que são usadas artimanhas semânticas com o escopo de

disfarçar o endereçamento das ofensas empreendidas. Para corroborarem a

assertiva transcrevem parte do livro “Orixás, Caboclos & Guias – Deuses ou

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Demônios”, de autoria do Bispo Edir Macedo, que bem retrata a denúncia

apresentada:

“Dentro da Umbanda, Quimbanda, Candomblé, enfim, de todas as formas

de espiritismo, as pessoas são possessas. No segundo caso, o de

‘encosto’, dizem que é um exu perverso ou ‘alma penada’ que se afastará

com o uso de defumadores, incensos, despachos, trabalhos, giras

especiais, limpeza de corpo e coisas desse tipo...”

No mesmo sentido, vale destacar parte da fita em VHS entregue a este órgão

do Ministério Público Federal a partir da qual foi possível extrair afirmações

proferidas por um pastor durante uma “sessão de descarrego” (nomenclatura usada

pela Igreja Universal do Reino de Deus): “Olha só o que acontece quando a pessoa

freqüenta a casa do encosto e não está protegida”. (Doc 02)

Para melhor instruir o procedimento administrativo, procedeu-se à transcrição

de outra fita em VHS referente à programação noturna da TV Record (Doc. 03),

gravada aleatoriamente, em que, de forma bastante insistente e a título de

propaganda da próxima sessão “de descarrego”, são exibidas as imagens do templo

da Igreja Universal do Reino de Deus, com algumas pessoas, vestidas de branco,

ditas como ex-pais, mães e filhos de encosto, que seriam os responsáveis pela

sessão. Ou seja, a pregação religiosa da igreja é realizada com menoscabo às

religiões afro-brasileiras (substituição constante do termo “pais e mães de santo”,

por “pais e mães de encosto”) e enfatizando a importância da conversão daqueles

que as professavam no passado.

Diante do exposto, foram enviados ofícios a ambas as emissoras que, em

resposta, informaram que as programações de caráter religioso exibidas originamse

de uma produtora independente, cuja produção, criação e demais características

inerentes são de exclusiva responsabilidade desta. (Doc. 3A e 3B)

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Oficiou-se então ao Ministério das Comunicações questionando a respeito da

possibilidade ou não de subconcessão do direito à exploração do serviço público de

difusão de sons e imagens e, em caso positivo, a quem recairia o ônus dos danos

porventura causados (Doc. 04). Em resposta (Doc. 05), o Ministério das

Comunicações firmou entendimento no sentido de que, muito embora a cessão

parcial seja admitida, esta não exime a emissora cedente de responsabilidade pelos

programas transmitidos, diversamente do alegado pelas rés.

Face às informações prestadas pelo Ministério das Comunicações, foram

enviados ofícios às emissoras em foco (Doc. 06) solicitando a elaboração de estudo

e consulta aos dirigentes das mesmas com a finalidade de concederem, em sua

programação, espaço para DIREITO DE RESPOSTA em favor das entidades afrobrasileiras

como forma de se garantir o direito à igualdade, à liberdade de

expressão e de crença.

Como não se obteve resposta específica quanto à oferta de espaço na

programação da emissora às entidades afro-brasileiras, foram enviados novos

ofícios (Doc. 07) a estas que, ferindo princípios basilares do Direito Constitucional

brasileiro, manifestaram-se pela impossibilidade de concessão de espaço para

direito de resposta (Doc. 08), como veremos abaixo.

A Rede Mulher informou que:

“não há durante os programas exibidos na emissora assunto algum

relacionado à religião, qualquer que seja – exceção feita aos programas

exibidos durante a noite. Por esta razão, não há como mudar todo o

roteiro de produção de programas, para encaixar um tema distinto de

todo o restante da programação” (grifo nosso).

Já a Rede Record informou que:

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“caso as entidades interessadas na presente Representação, desejem

condições comerciais isonômicas àquelas praticadas com as demais

entidades religiosas, certamente tal tratamento lhes será assegurado.

Não obstante, a concessão de espaço televisivo, de maneira gratuita

e a título do tergiversado “direito de resposta”, revela-se

procedimento acerca do qual a emissora, não vislumbra

possibilidade de acolhimento, seja pela inexistência de tal prática

comercial no âmbito televisivo, seja pela total falta de amparo legal”

(grifo nosso).

Vale transcrever ainda o contido no ofício n.º 1.018/2004/SE-MC (Doc. 09)

expedido pelo Ministério das Comunicações que, claramente, aponta a

responsabilidade das concessionárias, espancando qualquer dúvida a respeito.

Vejamos:

“(...) no que diz respeito à parte editorial e as atividades de seleção e

direção de programação veiculada, a responsabilidade é sempre da

concessionária, permissionária ou autorizada, nessa qualidade.

Todavia a grade de programação poderá conter programas

produzidos por outras entidades, inclusive estrangeiras, desde que tais

programas observem as condições constantes do dos mencionados

Código e Regulamento (art. 10 do Decreto-lei n.º 236/67, e artigos 67, 75

e 77 do Decreto n.º 52.795/67). Tal fato, entretanto, não exime da

responsabilidade às concessionárias, permissionárias e autorizadas,

consoante o disposto no artigo 124, § 1º do Regulamento dos

Serviços de Radiodifusão” (grifo nosso).

Em suma: valendo-se da prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico,

que lhes possibilita a cessão parcial, as rés, por meio de terceiros cessionários,

incluem em suas programações atos atentatórios à cidadania, à dignidade da

pessoa humana, bem como à liberdade de crença religiosa, e, sob a égide da

consagrada “liberdade de expressão” (princípio largamente apontado pelas rés nas

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respostas à representante do Ministério Público Federal) distorcem as garantias

constitucionais e acabam por causar um dano coletivo, o que dá ensejo ao direito de

resposta das entidades representativas do público lesado, integralmente custeado

pelas emissoras rés.

Diante da recusa das emissoras réus, não restou alternativa ao Ministério

Público Federal e demais autores, se não a de ajuizar a presente ação civil pública

para que o Judiciário, ao garantir o exercício do direito de resposta, repare a lesão

sofrida, equilibrando-se o direito à liberdade de expressão e de crença religiosa. E,

para melhor ilustrar esta iniciativa, trazemos gravações recentes (21, 22 e

24/11/04), de ambas as emissoras, nas quais são exibidos, de forma exaustiva,

imagens e relatos de pessoas que freqüentam ou freqüentaram a casa de “encosto”

em situação de desespero, com referências negativas, explícitas e implícitas, aos

“encostos”, às religiões afro-brasileiras e às pessoas que as professam.

2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

2.1 As religiões afro-brasileiras e a lesão que vêm sofrendo

Os negros que foram trazidos como escravos para o Brasil

trouxeram consigo suas culturas originais e, junto a elas, todo um

corpo de crenças e rituais religiosos. Agarraram-se especialmente a

suas tradições religiosas, como único meio de conservar sua

identidade ameaçada pela opressão do poder dominante. Mas essas

formas de religiosidade entraram em contato com outras

manifestações da cultura do país: a religião católica, vivida

especialmente em suas formas mais populares como a devoção aos

santos, e em certas regiões do país, o espiritismo de Allan Kardec.

Surgiram assim a Umbanda e o Candomblé, as duas mais

importantes expressões das religiões afro-brasileiras.1

São intermináveis os debates travados sobre os mais variados

aspectos das religiões em geral. Com relação às religiões afro-brasileiras isso não é

diferente. Mas o que não se pode olvidar é que tais religiões enriqueceram a cultura

pátria, imprimindo um brilho especial às páginas da história brasileira.

1 PALEARI, Giorgio. Disponível em http://www.pime.org.br/pimenet/imagens/religafrobras.jpg, acesso em

07/10/2004.

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Importante advertir, desde já, que não se pretende aqui fazer apologia

a qualquer das religiões hoje existentes, mas sim demonstrar que a diversidade

religiosa deve ser mais que respeitada, deve ser acolhida, levando-se em

consideração os aspectos culturais e sociais que cada religião apresenta. Acolher

não significa passar a professar ou compartilhar a crença em questão, mas garantir

o espaço necessário para que aqueles que o quiserem, o façam e sintam-se

confortáveis e, aí sim, respeitados nesta escolha. Ora, “a escolha é que nos eleva à

nossa condição humana. O que nos torna iguais é a acolhida, é a gente se ver no

outro”.2

Acolher, nos termos que acabamos de expor, também não significa dar

espaço a eventuais atos ilícitos, que devem ser normalmente punidos de acordo

com a legislação civil e penal brasileira, mas um contínuo reconhecimento e

garantia do direito de todos de liberdade de religiosa.

Pretende-se aqui, muito além de proteger e assegurar o direito das

minorias, é demonstrar também o seu valor histórico-cultural, buscando impedir que

importantes tradições, culturas e hábitos delas oriundos esvaiam-se do cenário

brasileiro.

Conforme já mencionado, as religiões afro-brasileiras estão

incorporadas à nossa cultura, valendo inclusive anotar que quando estas

começaram a aparecer, o conceito de nação ganhou nova força e significado, em

parte como um símbolo de transmissão de tradições religiosas e locais, e em parte

como uma marca da identidade étnica.3

Anteriormente caracterizadas como religiões africanas, hoje recebem a

nomenclatura de religiões afro-brasileiras haja vista o sincretismo com a cultura

local e a “absorção” de suas raízes pela sociedade pátria. Ou seja, no Brasil, as

2 PELLEGRINELLI, Maria Lúcia. Exercício do Respeito. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2004, p. 37

3 JENSEN, Tina Gudrun. Discursos sobre as religiões afro-brasileiras: Da desafricanização para a

reafricanização. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, 1: 1-21, 2001

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misturas se acentuaram, resultando em tradições, crenças e costumes que se

incorporaram ao modo de vida nacional e hoje, inequivocamente, são indissociáveis

da cultura brasileira como um todo, devendo ser preservadas. Sua ruptura dos

padrões locais afronta, sem sombra de dúvida, além da cidadania, da dignidade e

da liberdade religiosa das minorias (in casu, os adeptos às religiões afrobrasileiras),

a memória cultural e o patrimônio histórico.

Somos diversos. Somos diversos historicamente, etnicamente,

lingüisticamente e, da mesma forma, somos diversos religiosamente. Em nenhum

período histórico houve uma única religião em todo o mundo. Essa diversidade deve

ser respeitada e acolhida. A tão defendida liberdade de manifestação do

pensamento há de ser entendida em seus corretos termos e amplitudes. Há limites a

serem observados e, infelizmente, estes limites, orientados principalmente pelo

“respeito ao outro”, não estão sendo obedecidos nos programas religiosos

veiculados pelas emissoras rés.

O que hoje se vê é a invasão dos meios de comunicação em massa,

com a exibição de diversas cenas de pastores das chamadas igrejas

neopentecostais, efetuando suas pregações em detrimento de outras religiões, com

especial enfoque para as de matriz afro-brasileiras:

“(...) submetendo desertores da umbanda e do candomblé, em

estado de transe a rituais de exorcismo, que têm por fim humilhar e

escorraçar as entidades espirituais afro-brasileiras incorporadas,

que eles consideram manifestações do demônio”.

(...)

“Mais que isso, a derrota das religiões afro-brasileiras é item

explícito do planejamento expansionista pentecostal : Há igrejas

evangélicas em que o ataque às religiões afro-brasileiras e a

conquista de seus seguidores são práticas exercidas com

regularidade e justificadas teologicamente. Por exemplo, na prática

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expansiva de uma das mais dinâmicas igrejas neopentecostais,

fazer fechar o maior número de terreiros de umbanda e candomblé

existentes na área em que se instala um novo templo é meta que o

pastor tem a cumprir”.4

Ressaltamos que as emissoras supracitadas reiteradamente e por

longo lapso temporal abrem espaço em suas programações para que

representantes de determinadas religiões depreciem as de matriz africana, quer

proferindo metáforas que mal disfarçam o endereçamento das ofensas, quer

induzindo diretamente à discriminação e ao preconceito, fazendo com que a

população seja acometida em seus lares por práticas abusivas, tendo seus direitos

sociais e individuais indisponíveis lesados.

Nossas assertivas são baseadas em fatos notórios! Cremos que

qualquer cidadão já teve inúmeras oportunidades de visualizar um dos pastores

integrantes das igrejas neopentescostais referindo-se com menosprezo e

discriminação às religiões afro-brasileiras, utilizando frases idênticas ou similares às

transcritas nos primeiros parágrafos desta petição. Essa prática, infelizmente, é

reiterada. Dedicam expressiva fatia de seu tempo fazendo ofensas às religiões

retromencionadas e às pessoas que as professam, com o propósito manifesto de

arrebanhar fiéis para seus cultos.

Os fatos, além de serem notórios, protraem-se no tempo. Tanto é que

o ilustre jornalista Arnaldo Jabor, aos 03.02.2002, em crônica divulgada pela Rádio

CBN, fez as considerações abaixo que, lamentavelmente, continuam aplicando-se

aos dias atuais:

“Amigos ouvintes. Hoje voltei das minhas férias, passei duas semanas na

Bahia, em Salvador, onde eu fiquei praticamente dias dentro do mar, nas

beiras de praia, nos barcos e principalmente no meio do povão, no

4 PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. Civitas, Revista de Ciências Sociais,

Porto Alegre, 3 (1): 15-34, 2003.

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Pelourinho, no Candial, no terreiro de Carlinhos Brown, beijando a mão

de Mãe Carmen, sentindo o famoso axé geral que venta na cidade e

recebendo as energias da cultura negra e bela que sentimos nos gestos e

na alegria dos baianos e na sua liberdade total.

Salvador é a terra da felicidade, é uma terra sagrada onde as festas

pagãs da música e da dança se misturam com a tradição da religião

negra e sua cultura, mas, sempre há um más. Mas há um grave problema

acontecendo em Salvador, que exige uma atitude das autoridades.

(...)

Mas acontece que essa gente se instalou na Bahia para exterminar a

religião africana, inaugurando uma guerra contra o candomblé,

contra os terreiros e contra a beleza da África Brasileira. Eles dizem

para os pobres lá do seu palácio, no Iguatemi: “o candomblé é a

religião do demônio” e todos têm de aderir à sua Igreja Universal.

Declararam guerra à mais bela de nossas tradições culturais e isso

pode ser combatido pelas autoridades e só por elas, pois a

Constituição proíbe a demonização de religiões por outras.

Por isso eu começo alertando Gilberto Gil, nosso ministro da Cultura, para

o problema, que ele deve conhecer. Lembro ao ótimo prefeito Imbassahy,

de Salvador, sobre isso. E peço a atenção do grande político sério, que é

o novo governador Paulo Souto. E mais. Eu apelo a Antônio Carlos

Magalhães, a quem eu já critiquei muito, mas que é um real amante da

Bahia, cujas águas ele despoluiu, depois de salvar a beleza do

Pelourinho. Só por isso ACM merece respeito. Ele ama a Bahia.

Por isso eu peço à ACM e aos baianos sérios e poderosos que lutem

contra esses homens que querem arrasar nossa beleza, nossa

liberdade da religião negra. Com eles, só a luta política e jurídica

pode resolver”.

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Essa lesão reiterada de direitos em nome da liberdade de expressão

não pode prosseguir sem uma resposta da Justiça.

2.2 A liberdade de religião na Constituição Federal de 1988, o direito

ao proselitismo religioso e à liberdade de expressão

A liberdade religiosa veio amplamente consagrada na Constituição

Federal de 1988, em diversos dispositivos constitucionais. Passemos à análise dos

mesmos.

Preceitua o artigo 5º, inciso VI:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o

anonimato;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da

lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

José Afonso da Silva, com a maestria que lhe é peculiar, ao discorrer

sobre a liberdade de crença, assim explicita:

“Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a

liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de

mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a

religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser

ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de

embaraçar o livre exercício de qualquer religião , de qualquer crença,

pois aqui também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique

a liberdade dos outros”5 (grifo nosso).

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 248.

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Dentro do gênero liberdades religiosas, convém destacar ainda o que

a doutrina denomina de liberdade de comunicação das idéias religiosas. Corolário

do disposto no art. 5º da Constituição Federal, pode ser definida como a

transmissão de catequeses a terceiros, geralmente com o propósito de convertê-los

à religião daquele que faz a pregação. Trata-se, pois, do proselitismo religioso.

Conforme vimos acima, a liberdade de crença não é absoluta pois não

abarca a liberdade de embaraçar o exercício de qualquer religião, como nem

poderia ser diferente! Afirmamos ainda que a liberdade de comunicação das idéias

religiosas também não é absoluta. Vejamos os fundamentos dessa afirmação.

O art. 208 do Código Penal sanciona aquele que “escarnecer de

alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa” ou “vilipendiar

publicamente ato ou objeto de culto religioso”. O art. 20 da Lei 7.716/89, que define

os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, por sua vez, pune a conduta

de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de religião”.

Ora, se o Estado define como fato típico e antijurídico a discriminação

religiosa, não poderíamos subtrair tais condutas de apreciação na esfera cível. Se o

próprio ordenamento jurídico protege um bem jurídico na esfera criminal, lógico é

que a proteção estatal não deve cingir-se apenas a esta.

Por outro lado, cumpre asseverar que a Constituição Federal de 1988

em seu artigo 19, inciso I, consagrou a natureza laica da República brasileira ao

estatuir que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o

funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de

dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse

público.

Deste artigo extraem-se duas conclusões:

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a) O Estado brasileiro não pode subvencionar, ainda que de forma

indireta, nenhuma organização religiosa que pretenda divulgar

suas catequeses;

b) Também não está ele autorizado a manter com as igrejas relações

de dependência ou aliança que tenham por objeto a comunicação

de idéias religiosas6.

A concessão outorgada pela União Federal às rés Rádio Record de

Televisão e Rádio Mulher de Televisão, que dedicam grande parte de sua

programação a ofensas às religiões afro-brasileiras, parece esbarrar na laicidade do

Estado brasileiro, ofendendo o dispositivo constitucional acima explicitado.

A laicidade do Estado, se analisada isoladamente, levaria à conclusão

de que concessões públicas não poderiam veicular mensagens religiosas, a

qualquer título (produção independente ou não). No entanto, tal afirmação choca-se

com outro princípio fundamental: o da liberdade de expressão e de manifestação do

pensamento, no qual encontra-se inserido, não temos dúvidas, o direito a comunicar

as idéias religiosas, ou seja, o direito ao proselitismo religioso, ou ainda, o direito à

“pregação”, e até o direito a retratar nossa cultura pois esta, em muitos aspectos,

mescla-se com diversas religiões.

Sergio Suiama, no estudo já citado, é da mesma opinião:

“A proibição do proselitismo religioso nos canais de rádio e TV,

contudo, parece contrariar dois outros requisitos que, segundo a

doutrina constitucional contemporânea7, devem ser levados em

conta sempre que houver a necessidade de restrição a direitos

fundamentais: a máxima da necessidade (Erforderlichkeit) e a

6 SUIAMA, Sergio Gardenghi. Limites ao exercício da liberdade religiosa nos meios de comunicação de

massa, p. 14 (aguardando publicação).

7 Cf. a respeito Robert Alexy, op. cit., pp. 111 e ss., José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., pp. 259 e ss., e

Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1998, pp. 198 e ss.

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proporcionalidade em sentido estrito. O requisito da necessidade ou

exigibilidade refere-se à inexistência de meios menos gravosos para

a consecução dos fins buscados; o requisito da proporcionalidade

em sentido estrito exige a ponderação entre os benefícios

alcançados com a norma restritiva e o ônus imposto ao titular do

direito. Ora, se considerarmos que as finalidades desejadas com a

intervenção estatal são assegurar condições igualitárias mínimas no

exercício do direito ao proselitismo religioso e promover o pluralismo

de idéias no âmbito dos meios de comunicação de massa, não me

parece necessário, nem proporcional, proibir, por completo, a

pregação religiosa nas rádios e TVs do país; outras medidas

estatais de natureza administrativa, legislativa e também judicial

poderiam ser executadas com o escopo de atingir essas mesmas

finalidades.

O Poder Executivo poderia, por exemplo, limitar o acesso das

igrejas majoritárias aos meios de comunicação de massa,

restringindo os horários de transmissão de pregações, com

fundamento no art. 220, § 3º, inciso I, da Constituição8, ou dispondo

que essas pregações somente sejam feitas nos canais da TV a

cabo. E, caso uma determinada igreja utilize o rádio ou a televisão

para ofender ou desrespeitar outros credos, deverá a emissora

responsável pela transmissão sofrer as sanções previstas no

Regulamento dos Serviços de Radiodifusão9 (Decreto Presidencial

n.° 52.795/63), podendo, até mesmo, perder a concessão outorgada

no caso de reincidência, nos termos do disposto no art. 223, § 4º, da

Constituição, e no art 133 do Regulamento.

8 “Art. 220. § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder

Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que

sua apresentação se mostre inadequada”.

9 O artigo 122 do Regulamento prevê expressamente, como infração administrativa na execução dos serviços de

radiodifusão, o ato de “promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião”.

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Cremos então que deveria o Estado sponte propria reprimir o mau uso

da liberdade de crença e liberdade de manifestação das idéias religiosas, via

emissoras de rádio e televisão.

Primeiro porque a omissão estatal no caso em análise acarreta o

patrocínio ainda que indireto da “verdade eterna e universal” em detrimento das

“religiões do mal” tão amplamente consagrada pelas religiões neopentescostais.

Segundo porque a própria União Federal ao estabelecer o Plano

Nacional de Direitos Humanos, priorizou o combate à intolerância religiosa dentre

suas metas. Tanto é que estabeleceu dentre elas a seguinte: “Prevenir e combater

a intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito a religiões minoritárias e

a cultos afro-brasileiros”. Ora, se a prevenção e o combate à intolerância religiosa

encontram-se no âmbito das políticas públicas relativas à liberdade de crença e

culto, a inércia federal que hoje presenciamos foge aos próprios princípios por ela

estabelecidos.

Enfim, as condutas aqui mencionadas além de irem contra o princípio

constitucional estabelecido no artigo 19, I da CF/88 não podem cingir-se apenas à

repressão penal, no âmbito individual. O que está em jogo são direitos humanos

fundamentais, bens jurídicos vitais para o funcionamento do sistema social, os quais

não podem ficar à mercê da inação estatal.

A liberdade de expressão, princípio através do qual se apóiam as rés

para justificar condutas desmedidas e ofensivas, deve ser interpretada em seu exato

sentido, não podendo servir de instrumento para “acobertar” condutas ilegais.

Ratificamos que não se pretende cerceá-la de modo algum, ao contrário, o que se

busca é interpretá-la fielmente, além de assegurar a todos o acesso aos meios de

comunicação social, pelo menos nos casos em que se fazem presentes os

requisitos necessários ao direito de resposta.

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2.3 A ofensa aos demais princípios constitucionais

Abordamos num primeiro plano a ofensa aos princípios atinentes à

liberdade religiosa. Ocorre que a conduta praticada pelas rés (como se não

bastasse a transgressão aos princípios acima transcritos!), ofende, vários outros

dispositivos constitucionais, além de ir contra aos fundamentos e objetivos do

Estado brasileiro.

A partir do artigo 1º da Carta Magna, que define os fundamentos da

República Federativa do Brasil, extrai-se que é dever do Estado democrático velar

para que os meios de comunicação de massa não sejam objeto de monopólio ou

oligopólio e garantir, o mais amplamente possível, o pluralismo de idéias,

fundamento maior da República brasileira10.

Flagrante também é a ofensa à dignidade da pessoa humana, valor

supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde

o direito à vida:

“Concebido como referência constitucional unificadora de todos os

direitos fundamentais (observam Gomes Canotilho e Vital Moreira), o

conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação

valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativoconstitucional

e não uma qualquer idéia apriorística de homem, não

podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa

de direitos pessoais tradicionais”11.

Todavia, as transgressões não param por aí. Basta uma análise

perfunctória das condutas em análise, principalmente as gravações dos programas

10 SUIAMA, Sergio Ganderghi, id.

11 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 105.

17

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

e propagandas que exibem os “ex-pais e mães de encosto”, para se extrair que a

honra e a imagem das pessoas estão sendo fortemente lesionadas. Fere-se,

portanto, mais um dispositivo constitucional, o artigo 5º , inciso X. Prescreve este

que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação.

A vedação a qualquer forma de discriminação também encontra

amparo constitucional. Preceitua a Lei Maior, dentre seus objetivos, a promoção do

bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação (art. 3º , IV). E foi mais além, estabelece que a lei

punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais

(art. 5º , XLI).

Ressaltemos ainda que qualquer ação em relação à programação

televisiva tem que levar em conta as LIBERDADES constitucionalmente garantidas

aos meios de comunicação em geral. É o que diz o artigo 220 da Constituição

Federal:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão

qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

Portanto, a Constituição é categórica ao proibir qualquer tipo de

restrição a tais liberdades, observados os limites previstos na própria

Constituição. Esses limites foram feridos na medida em que afrontados vários

princípios constitucionais, conforme já exposto à saciedade, fazendo surgir a

necessidade de reparação pelo Poder Judiciário.

Existem ainda os limites expressos no artigo 221, dentre os quais

podemos citar a preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e

informativas, bem como o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e

da família.

18

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Eis um vasto rol de direitos nitidamente violados. Como já dissemos

alhures, os direitos e garantias constitucionais não podem ser anulados em virtude

da distorcida liberdade de expressão. É preciso garantir a harmonia dos princípios,

direitos e garantias constitucionais.

Uma solução afigura-se razoável, sem o afastamento de um direito

nem de outro, ambos, aliás, consagrados constitucionalmente: o direito à livre

manifestação do pensamento pode ser exercido plenamente desde que não sejam

feridos os demais direitos. Certo é que os direitos de personalidade fazem por

merecer tutela prioritária. O próprio texto da Carta Magna endossa essa

hermenêutica quando determina, no §1º do art. 220, que nenhuma lei conterá

preceito que possa construir embaraço à plena liberdade de informação jornalística

em qualquer veículo de comunicação social, observado o estatuído no art. 5º, V e X,

entre outros incisos. Por outras palavras, o dispositivo recomenda, a par do amplo

exercício da liberdade de informação, a observância dos direitos da personalidade

enunciados naqueles incisos, quais sejam, o direito à intimidade (e à vida privada),

à imagem, à honra e assegurando o direito de resposta aqui perseguido.

Em síntese: os fatos narrados são veementes ao evidenciar a

flagrante inconstitucionalidade na conduta praticada pelas emissoras rés. Estas,

visando benefícios próprios, fizeram tábula rasa da importante função social que

deveriam exercer na sociedade, na qualidade de concessionárias do serviço público

federal de difusão de sons e imagens, permitindo e oferecendo o meio para que

fossem violados, a um só tempo, vastíssimo rol de direitos fundamentais de milhões

de pessoas integrantes da combalida sociedade brasileira, sujeitos que ficaram a

assistir as cenas relatadas e outros tantos a serem diretamente ofendidos em sua

honra, dignidade, imagem e liberdade religiosa.

Diante do exposto, o caminho que se delineia é propiciar às entidades

representativas dos seguidores de religiões afro-brasileiras o direito de resposta

coletivo.

19

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Nem se alegue que uma indenização por danos morais coletivos seria

suficiente para reparar essa lesão. Uma condenação desse tipo pode demorar anos,

gerando a sensação de total descrédito na efetividade da Justiça brasileira! Além

disso, a situação é a de que milhões de brasileiros assistem às pregações

televisivas que têm como principal nota o desprestígio às práticas e aos

freqüentadores dos cultos afro. Ora, estes mesmos milhões de telespectadores têm

agora o direito de saber o outro lado: o que são as religiões afro-brasileiras, o que

defendem, como vivem as pessoas que as professam. Para que a população

brasileira possa ter esse direito completo à informação, e para que a coletividade

lesada tenha o direito de se manifestar, de se expressar, o único meio hábil e

efetivo, é o exercício do direito de resposta.

2.4 O direito de resposta coletivo

Repetimos: as emissoras rés violaram e estão a violar diariamente a

Constituição brasileira infringindo direitos e garantias fundamentais. Por

representarem poderosos instrumentos de comunicação de massa, permitem que

sejam atacados crenças e cultos de grupos minoritários, além de causarem

prejuízos à cultura nacional.

É preciso assegurar o contraditório, como uma das formas de

minimizar as conseqüências das desarrazoadas ações que vêm sendo praticadas

pelas rés, ou pelo menos, com o seu aval e omissão. A reparação civil, por si só,

não teria o condão de suprimir ou mesmo minimizar a lesão ocasionada. Conforme

já apontado, a única forma de diminuir a problemática aqui visualizada consiste na

oportunidade de garantir aos grupos religiosos minoritários um dos principais

instrumentos constitucionais: o direito de resposta!

20

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

O artigo 5º, inciso V da Constituição Federal assegura este direito,

incluindo-o no rol dos direitos e garantias fundamentais (individuais e coletivos). Diz

a Constituição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além

da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Tal direito é também assegurado na Lei n.º 5.250/67. Vejamos:

Art . 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento

e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem

dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos

abusos que cometer.

(...)

Art . 29. Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que

for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou

em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de

informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem

direito a resposta ou retificação.

O direito de resposta representa a garantia do direito à preservação da

intimidade, da honra, da dignidade e à liberdade de expressão face à imprensa, em

contraposição ao amplo direito da imprensa de informar e da mídia em geral de se

expressar. A obrigação dos órgãos de comunicação é difundir, divulgar fatos e não

noticiar inverdades ou fatos truncados, enxovalhando religiões e atingindo direitos

individuais ou metaindividuais, como se observa no presente caso.

A liberdade de expressão e o direito de resposta caminham juntos,

pelo que as notícias ou alegações distorcidas, incorretas, caluniosas, injuriosas

geram, no momento da publicação, o direito de resposta.

No presente caso, a ofensa causa lesão a direitos metaindividuais,

dando ensejo, portanto, ao direito de resposta coletivo. Causa-nos estranheza as

afirmações da Rede Record no sentido de que a emissora, não vislumbra

21

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

possibilidade de acolhimento, seja pela inexistência de tal prática comercial no

âmbito televisivo, seja pela total falta de amparo legal.

Afirmamos carecer de amparo legal, isto sim, a conduta praticada

pelas emissoras de TV, rés desta ação. O direito de resposta está previsto no

ordenamento jurídico pátrio, a saber na Constituição Brasileira! A norma

constitucional que garante o direito de resposta possui eficácia plena, o que se

depreende da simples leitura do dispositivo em questão. Mesmo que assim não

fosse, basta lembrar o ensinamento de Canotilho, a quem recorremos mais uma

vez:

“a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior

eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer

normas constitucionais e (...) é hoje sobretudo invocado no âmbito dos

direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação

que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”.12

Vale ainda frisar que tal direito vem esmiuçado na Lei de Imprensa e,

neste particular, não só esta legislação foi recepcionada pela Constituição Federal,

bem como aprimorada13.

Nesta ação temos utilizado, todo o tempo, da expressão “direito de

resposta coletivo”, também defendida pelo ilustre Procurador da República Sergio

Gardenghi Suiama, em valoroso estudo14, do qual transcrevemos o seguinte trecho:

“Dizíamos que se a informação ou opinião causar dano a direito

individual, é facultado ao prejudicado, seu representante legal ou

sucessor exercer o direito de resposta, nos termos do disposto na

12 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,

1998, p. 1097.

13 Esta afirmação decorre do fato de que, nos termos do art. 5º, V, da CF, está expresso que a indenização civil

não exclui o direito de resposta.

14 A voz do dono e o dono da voz: o direito de resposta coletivo nos meios de comunicação social. BOLETIM

CIENTÍFICO – ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Brasília: ESMPU, Ano I, nº

05, out/dez., 2002, pp. 107/120

22

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Constituição da República e na Lei de Imprensa. ‘Quid juris’ se a

informação ou opinião causar dano a direitos ou interesses

metaindividuais? Nesse caso, ‘o direito de resposta será exercido

coletivamente’, pelos legitimados indicados no art. 5º da Lei 7.347/85 e no

art. 82 da Lei 8.082/90”.

Fábio Konder Comparato, da mesma forma, sustenta a possibilidade

do exercício coletivo do direito de resposta, em seu artigo intitulado A

Democratização dos Meios de Comunicação de Massa15:

“É sem dúvida, necessário estender a utilização desse mecanismo

jurídico também à defesa de bens coletivos ou sociais, que a teoria

moderna denomina ‘interesses difusos’”.

Um decreto de procedência à presente ação, indo ao encontro do que

defende a doutrina especializada, teria esse condão: concretizar mais um dos

direitos coletivos previstos no artigo 5º da Constituição Federal, qual seja, o direito

de resposta, regulado pela Lei de Imprensa, recepcionada pela atual Carta

constitucional neste aspecto e que não exclui a legitimação conferida pela Lei da

Ação Civil Pública para as questões de âmbito coletivo.

Ademais, o que se persegue aqui como medida de efetividade da

Justiça, em última análise, é uma mera condenação em obrigação de fazer,

amplamente admitida em nosso ordenamento jurídico.

2.4.1 O exercício do direito de resposta coletivo pleiteado via

ação civil pública

15 In Eros Roberto Grau e Willis Santiago Guerra Filho (organizadores), Direito Constitucional: estudos em

homenagem a Paulo Bonavides, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 165.

23

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

O direito de resposta individual vem disciplinado na Lei de

Imprensa, nos artigos 29 e seguintes, que prevê um rito bastante exíguo e que

tramita perante juízo criminal.

Mas estamos defendendo aqui direitos coletivos e difusos e a lei

que estabelece essa forma de defesa é a da Ação Civil Pública, portanto,

isoladamente, é inaplicável o rito acima previsto, até porque foi disciplinado nos

idos de 1967, tendo em vista a sua adoção apenas para ofensas individuais e que

poderiam se constituir em crime contra a honra. Acrescente-se que tal rito, se

adotado pura e simplesmente, num processo que pode gerar uma decisão com

efeito “erga omnes,” como na ação civil pública, e numa questão de tamanha

repercussão nacional, acabaria por restringir de maneira inaceitável o direito de

defesa dos réus.

Sendo assim, o rito da presente ação é o ordinário, como de

regra nas ações civis públicas, com pedido de tutela antecipada, que se faz

absolutamente necessária. A compatibilização plausível entre o rito da ação civil

pública e o da Lei de Imprensa, seria o de se demonstrar que a solicitação foi feita e

negada administrativamente e, judicialmente, observar o contraditório mitigado

previsto na Lei de Imprensa apenas para efeito de se conceder ou não a tutela

antecipada, prosseguindo-se, então, como nas demais ações civis públicas após a

análise do pedido de tutela antecipada. Ressalte-se que, dessa forma, não há

qualquer prejuízo à defesa, muito ao contrário.

Vale lembrar que todas e quaisquer ações são admissíveis para

a tutela jurisdicional dos interesses protegidos pela LACP, por expressa incidência

do CDC, art. 83, aplicável às ações fundadas na LACP por determinação da LACP,

art. 21.16

16 NERY JUNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante: atualizado até 07 de julho de 2003. 7ª edição revista e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2003, p. 1.319.

24

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Logo, uma ação que visa a condenação em obrigação de fazer

consistente em proporcionar espaço, estrutura e pessoal de apoio necessários para

um programa televisivo, não é novidade alguma em nosso sistema.

Vamos então à forma de se exercer o direito de resposta

coletivo via ação civil pública.

O artigo 29, § 2º, da Lei de Imprensa estipula o prazo de 60

(sessenta) dias para formulação por escrito do direito de resposta. Assevere-se,

desde já, que tal prazo não se aplica ao caso em tela tendo em vista que se trata de

lesão reiterada, que vem se protraindo no tempo, conforme demonstram as

gravações ora anexadas, colhidas aleatoriamente dos canais que exibem

programas evangélicos. Mesmo que se aplicasse o prazo em questão, verifica-se

que as gravações trazem datas de programas exibidos recentemente, sendo a

última, inclusive, datada de 24 de novembro de 2004.

Está demonstrado que o pedido de resposta foi feito por escrito,

conforme já mencionado, tendo sido negado pelas emissoras-rés. Sendo assim,

passa-se ao disposto no artigo 32, da sempre citada Lei de Imprensa, segundo a

qual, se o pedido de resposta ou retificação não for atendido nos prazos referidos

no art. 31, o ofendido poderá reclamar judicialmente a sua publicação ou

transmissão.

Prossegue a legislação no sentido de que, recebido o pedido de

resposta ou retificação, o juiz, dentro de 24 horas, mandará citar o responsável pela

empresa que explora meio de informação e divulgação para que, em igual prazo,

diga das razões porque não o publicou ou transmitiu (art. 32, § 3º). Nas 24 horas

seguintes, o juiz proferirá a sua decisão, tenha o responsável atendido ou não à

intimação.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Tal decisão será a análise de tutela antecipada a ser requerida

justificadamente logo mais adiante. Concedida ou não, deve ser determinada a

citação para oferecer contestação, sob pena de revelia, prosseguindo-se até final

decisão, que se espera seja condenatória em obrigação de fazer consistente em

oferecer espaço, estrutura e pessoal de apoio necessários à produção e exibição de

programa televisivo, de responsabilidade das associações ora autoras, pelo prazo

de 30 dias consecutivos, por 02 horas, no horário de 21:00 às 23:00 horas.

O prazo de trinta dias e o tempo de duas horas são apenas

simbólicos, já que há anos essas pregações têm sido feitas, por horas a fio. O

horário indicado é o mesmo em que comumente são exibidos os programas

religiosos nas emissoras rés.

2.4.2. Da inexigência de legislação específica prevendo o direito

de resposta coletivo

O direito coletivo de resposta, garantido constitucionalmente,

conforme demonstrado à saciedade, é a forma de se compatibilizar o direito à

liberdade de expressão e o direito a defender-se das lesões causadas no exercício

dessa liberdade.

É direito garantido expressamente pelo texto constitucional, art.

5º, inc. V, portanto, auto-aplicável. O art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição

Federal, por seu turno, estabelece que compete à lei federal estabelecer os meios

legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de

programas ou programações de rádio e televisão (...)”. Tal lei federal já existe. Não

de forma específica, mas existe. Trata-se da Lei da Ação Civil Pública, que aplicase

a todo e qualquer interesse difuso e coletivo lesado (art. 1º, IV, LACP).

Quem nos ensina isso é José Carlos Barbosa Moreira. Vejamos:

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

“O interesse (que o art. 220, § 3º, da Constituição visa a preservar) em

defender-se ‘de programas ou programações de rádio e televisão que

contrariem o disposto no art 221’ enquadra-se com justeza no conceito de

interesse difuso.”17

O mesmo autor assevera ainda que:

“Se é certo, como se mostrou acima, que encontra lugar entre os

interesses difusos o dirigido à observância, pelas emissoras de televisão

dos preceitos constantes do art. 221 da Lei Maior, segue-se em lógica

elementar, que a ação civil pública, disciplinada na Lei nº 7.347, é

instrumento adequado à vindicação de semelhante direito em juízo.”18

E ainda, como também já mencionamos, a ação civil pública

pode veicular qualquer tipo de pedido necessário à satisfação do direito difuso ou

coletivo lesado19.

Reiteramos finalmente: nada impede que se utilize, naquilo que

for possível, do disposto na Lei de Imprensa para a garantia do direito de resposta

coletivo. Mas ainda que não existisse a Lei de Imprensa, o mesmo pedido poderia

ser feito pois nenhuma lesão a direito pode ser excluída da apreciação do Judiciário

(art. 5º XXXV, CF/88) que, por sua vez, pode, em última análise, determinar as

providências que assegurem o resultado equivalente ao do adimplemento (art. 461,

caput). A obrigação aqui, por parte das emissoras, consiste em honrar a concessão

recebida observando, dentre outros, os princípios relativos à promoção da cultural

nacional e regional; bem como o respeito aos valores éticos e sociais de toda

17 Temas de Direito Processual Civil, 1987, Editora Saraiva, pg. 239, “Ação Civil Pública e Programação na

TV”, também publicado no volume comemorativo do 10º aniversário da Lei 73.47, de 24-7-1985 (Ação civil

pública, coord. Por Edis Milaré, S.Paulo 1995), na Revista de Direito Administrativo, v. 201, e na Revista do

Ministério Público (do Estado do Rio de Janeiro), v. 1, nº 2.

18 Obra já citada, pág. 245.

19 Nelson Nery Junior, ibid.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

pessoa e toda família. (art. 221, CF, com a palavra “toda” por nós acrescentada

para enfatizar o dever de respeito à diversidade).

Nenhuma providência garante melhor o adimplemento dessa

obrigação das emissoras, do que a determinação judicial que leve ao efetivo

exercício do direito de resposta.

2.4.3. Responsáveis pelo exercício e conteúdo do direito de

resposta coletivo

O direito de resposta é exercitado pelo ofendido, que pode ser

pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública (art.29, LI). No caso em tela,

temos como ofendida toda uma coletividade, formada não apenas pelas pessoas

que professam religiões afro-brasileiras, mas por todos que prezam pelo respeito à

nossa diversidade étnica, religiosa e por valores culturais.

Os legitimados para a defesa dessa coletividade são os

previstos na Lei da Ação Civil Pública, art. 5º, entre os quais encontram-se as

associações ora autoras da presente ação civil pública. Logo, em razão de terem

profundo conhecimento de causa da matéria aqui tratada, são as indicadas para

serem as responsáveis pela direção e execução dos programas televisivos

relacionados ao direito de resposta coletivo que aqui se espera seja concedido, com

toda a estrutura oferecida pelas emissoras rés.

Quanto ao conteúdo de tais programas não é demais garantir

que dirão respeito às religiões afro-brasileiras, com respeito às demais religiões e

crenças, sem incorrer no mesmo equívoco dos programas religiosos transmitidos

pelas emissoras rés.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

2.4.4 Responsáveis pelo custo do direito de resposta coletivo

O Ministério das Comunicações, em resposta ao Ministério

Público Federal, por meio do ofício n.º 1.018/2004/SE-MC, já transcrito, foi

categórico ao afirmar que, não obstante a subconcessão parcial, a responsabilidade

pelas lesões causadas, é das emissoras, titulares da concessão.

Logo, a resposta deve ser propiciada pelas emissoras, que

garantirá estúdio e toda a estrutura pertinente, bem como pessoal de apoio

necessário às gravações encabeçadas pelas associações ora autoras. É claro que,

como alegam tratar-se de programas de responsabilidade de terceiros, nos termos

do art. 30, § 5º, as empresas têm ação executiva para haver o custo de publicação

ou transmissão da resposta daquele que é julgado responsável”.

Prevê a Lei de Imprensa, remotamente, que a resposta pode vir

a ser custeada pelo próprio ofendido (art. 30, §§ 3º e 4º), mas isto é apenas para os

casos em que não se vislumbra nenhum tipo de responsabilidade do jornal ou de

empresas de radiodifusão, o que não se aplica à nossa problemática. A

responsabilidade das emissoras, ainda que apenas por omissão, é manifesta. Há

anos que ocorrem pregações religiosas em seus canais, que de forma reiterada e

habitual, pregam no mínimo o menoscabo às religiões de matriz africana.

Ainda quanto à responsabilidade pelo custo, vale citar o

seguinte julgado, atribuindo total responsabilidade ao veículo da ofensa, mesmo em

caso de ofensor totalmente estranho:

Ofensor estranho ao órgão de imprensa. Irrelevância. Obrigação de

publicação.

“Lei de Imprensa – Pedido de resposta a partir de matéria ofensiva paga,

de autoria e responsabilidade de terceiro – Publicação gratuita pelo jornal

– Necessidade:

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

- Deve ser publicada gratuitamente pelo jornal, salvo nas hipóteses

previstas no art. 34, I a V, da Lei 5.250/1967, a resposta formulada contra

matéria ofensiva por ele divulgada, ainda que paga, de autoria de

responsabilidade de terceiro. O § 5º do art. 30 da referida Lei estabelece

ação executiva para haver o custo da publicação daquele que é

considerado o responsável, o qual responderá nas esferas civil e

criminal”. (TACrim SP, Apelação n. 1.358.537/0 – São Paulo, 7ª Câm.,

v.u. j. 10.4.2003, Rel. Tristão Ribeiro – Ementário n. 45, Set/2003)

3. DA ADEQUAÇÃO DA ACÃO CIVIL PÚBLICA E DA LEGITIMIDADE ATIVA

Dispõe o artigo 127 da Constituição Federal:

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,

do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.” (grifos nossos).

No rol dos direitos individuais indisponíveis têm especial relevância os

direitos fundamentais, precipuamente quando se trata, como no caso em análise, de

questões envolvendo condutas discriminatórias contra minorias em ofensa aos

princípios, direitos e garantias previstos no art. 5º, caput, da Constituição, e a

proibição de discriminação, inscrita no art. 3º, IV.

Deste modo, o que esta ação pretende é conferir oportunidade às pessoas e

à coletividade de exercer os seus direitos fundamentais, entre eles a honra, a

intimidade, a dignidade, a liberdade de crença e de expressão.

E o Ministério Público é o órgão ao qual a Constituição Federal incumbiu a

guarda dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo que o meio judicial

30

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

para o parquet fazer isso é a ação civil pública. É o que dispõe a Lei n. 7.347, artigo

5º:

Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo

Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão

também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação,

sociedade de economia mista ou associação.”

Vale ressaltar que se tratam de direitos difusos os aqui amparados, pois além

do direito daqueles que professam as religiões afro, é defendido também o direito

constitucional de toda uma coletividade de viver em um país em que a programação

televisiva respeite a ética, a liberdade de crença e valorize a cultura nacional.

Vejamos ainda o que diz a Lei Maior em relação às funções institucionais do

Ministério Público:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de

relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,

promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses

difusos e coletivos;”

No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei Complementar 75, de

1993:

“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta Lei

Complementar, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional

do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais

indisponíveis.

Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para

garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.”

Referida Lei Complementar prossegue:

31

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da

União:

IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da

União, dos serviços de relevância pública e dos meios de

comunicação social aos princípios, garantias, condições,

direitos, deveres e vedações previstos na Constituição

Federal e na lei, relativos à comunicação social;”

Ressaltemos ainda que é indiscutível a legitimidade do Parquet para, no

âmbito da ação civil pública, pleitear o direito de resposta coletivo, o qual nada

mais é do que uma condenação em obrigação de fazer..

O artigo 83 da Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, estatui que

“para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis

todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”,

sendo que este tem incidência plena nas ações fundadas na Lei 7.347/85, por força

de seu artigo 21. Assim, indubitavelmente, os legitimados indicados no artigo 5º da

Lei 7.347/85, dentre os quais se encontra o Parquet, poderão postular a resposta.

Demonstrada a legitimidade do Ministério Público, resta ainda demonstrar a

legitimidade do Ministério Público Federal. Para tanto, vale ressaltar que o caso

específico tratado na presente ação, diz respeito a um serviço público federal, de

competência da União Federal.

É o que diz o artigo 21 da Constituição Federal:

“Art. 21. Compete à União Federal:

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou

permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”

Para espancar qualquer dúvida, a legitimidade ativa do Ministério Público

Federal é clara tendo em vista o disposto na Lei Complementar n. 75/93:

32

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

“Art. 39 – Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos

direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes

o respeito:

III - pelos concessionários e permissionários de serviço público federal;”

Por fim a atuação do Ministério Público, conforme voto do Ministro Celso de

Mello, visa a "adequar nosso ordenamento jurídico à tendência contemporânea de

todo o Direito Constitucional universal, que é impedir, de todas as formas possíveis,

o desrespeito sistemático às normas Constitucionais, que conduz à erosão da

própria consciência constitucional".

A legitimidade dos demais litisconsortes, por sua vez, está expressa na Lei

da Ação Civil Pública, art. 3º, sendo que, pela simples leitura de seus estatutos,

verifica-se que incluem entre seus objetivos a defesa dos direitos visados na

presente ação e que foram constituídas há mais de um ano.

4. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

A legitimidade da Rede Record de Televisão e da Rede Mulher de Televisão

são inquestionáveis pois, além de as emissoras serem concessionárias do serviço

público federal em questão, em qualquer situação, a pessoa jurídica responde pelos

atos praticados por seus empregados ou representantes legais e, vale acrescentar,

pelos atos de seus próprios cessionários. Aqui não seria diferente.

A União Federal também consta do pólo passivo duas razões.

A primeira, porque é o órgão concedente, responsável pela outorga feita às

emissoras supramencionadas e, conseqüentemente, pela sua renovação, ou não,

através do Congresso Nacional, no momento oportuno. Os fatos alegados na

presente ação têm que ser levados em conta em tal momento, daí a necessidade da

presença da outorgante.

33

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A segunda, é porque a União também pode apurar a conduta e questão e,

até onde temos notícia, ainda não o fez, configurando-se então a sua tradicional

omissão nessa temática, sendo esta a sua responsabilidade.

No entanto, a União Federal dispõe da prerrogativa de, citada, optar por

integrar o pólo ativo da demanda e esta faculdade, prevista para as ações

populares, não deve ser retirada, porque é salutar ao interesse público também

perseguido nas ações civis públicas. Dispõe o art. 6o, §3o,da Lei da Ação Popular:

"A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato

seja objeto de impugnação poderá abster-se de contestar o pedido,

ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao

interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou

dirigente".

5. DA COMPETÊNCIA

A presença do Ministério Público Federal como parte autora, já justifica a

competência da Justiça Federal. Se o parquet está tão somente cumprindo uma

atribuição prevista em sua Lei Orgânica a ação judicial daí originada só pode ser

proposta na Justiça Federal.

É o que diz nossa jurisprudência.

“PROCESSUAL – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PARTE –

COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL

Se o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente

para conhecer do processo.” (CC nº 4.927-0-DF, DJU de 4/10/93, Rel.

Min. Humberto Gomes Barros)

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO

PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PUBLICA. 1. O Ministério Público é instituição

nacional, subordinada aos princípios de unidade, indivisibilidade e

independência funcional (CF. art. 127), e compreende o Ministério Público

34

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

da União e o dos Estados (CF, art. 128). 2. A atuação dos agenteS do

Ministério Público se dá em forma estruturalmente organizada e mediante

repartição de atribuições. 3. É incompatível com os princípios de regência

da instituição e do sistema de repartição de atribuições a atuação do

Ministério Público Estadual, fora do seu Estado ou fora da jurisdição

estadual. 4. Compete ao Ministério Público da União, e não ao do Estado,

exercer as funções institucionais do órgão relativas a promoção de ações

civis públicas de competência da Justiça Federal."(AC 91.04.13275-0,

TRF4, SEGUNDA TURMA, Relator JUIZ TEORI ALBINO ZAVASCKI,

Data da decisão 17/10/91, DJU 06/11/91, PAGINA 27825).

Não bastasse isso, há também o interesse da União Federal, pois que é

titular do serviço público de difusão de sons e imagens, (art. 21, inciso XII, alínea

“a”, CF) , não deixando qualquer dúvida a respeito da competência, tendo em vista

o disposto no artigo 109, da Constituição:

“109. Aos Juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública

federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou

oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as

sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”

A Rede Record e a Rede Mulher são, portanto, empresas concessionárias de

um serviço público FEDERAL.

6. ALCANCE NACIONAL DA DECISÃO JUDICIAL NA PRESENTE AÇÃO CIVIL

PÚBLICA

A nova redação do art. 16 da Lei 7.347/85, que procurou restringir os efeitos

da sentença aos “limites da competência territorial do órgão prolator” é ineficaz e

inconstitucional.

Restringir a amplitude dos efeitos da coisa julgada nas ações coletivas

a uma pequena parcela (ocorridas dentro de determinado território) das relações

entre Autor (sociedade) e Réu contraria frontalmente a política constitucional

de defesa dos interesses e direitos difusos, além de ofender o princípio

constitucional da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

35

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Sobre o tema, muito bem aduziu o Prof. André de Carvalho Ramos20:

“Esta é a sistemática da tutela coletiva em nosso país, que traduziu-se

pela adoção da teoria da coisa julgada secundum eventum litis.

A eficácia ‘ultra partes’ e ‘erga omnes’ da coisa julgada relacionam-se

com os limites subjetivos desta, já que os interesses tratados pela ação

coletiva são em geral indivisíveis pela sua natureza ou pela política

legislativa favorável a uma efetiva tutela de direitos.

Tal teoria da coisa julgada, adotada pelo legislador infraconstitucional

(CDC e LACP), dá substância ao princípio constitucional da

universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

E a decorrência do tratamento coletivo das demandas é o sistema de

substituição processual (ou legitimação adequada, concorrente e

disjuntiva), que possibilita a tutela destes interesses transindividuais por

entes como Ministério Público.

Se o autor é substituto processual de todos os interessados, não se pode

limitar os efeitos de sua decisão judicial àqueles que estejam domiciliados

no estrito âmbito da competência territorial do Juiz.

Como salienta o douto Ernane Fidélis dos Santos, ‘nas hipóteses de

substituição processual, sujeito da lide é o substituído, sofrendo as

conseqüências da coisa julgada’.

Isso pois o caso de limitação seria não de competência, mas de

jurisdição. Se o Juiz de 1º Grau pode conhecer da ação de um substituto

processual como o Ministério Público, deve sua decisão valer para todos

os substituídos.

(...)

Assim, o efeito ‘erga omnes’ da coisa julgada é conseqüência da

aceitação da forma coletiva de se tratar litígios macrossociais. Não pode

ser restringido tal efeito por lei ou por decisão judicial sob pena de

ferirmos a própria Constituição do Brasil.

(...)

20 RAMOS, André de Carvalho. "A Abrangência Nacional de Decisão Judicial em Ações Coletivas: O Caso da

Lei 9.494/97", Revista dos Tribunais, 1998, p.115.

36

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Com isso, fica demonstrado que se a Constituição Brasileira, dentro do

modelo do Estado Democrático de Direito abraçado, busca, antes de

tudo, o acesso à justiça, sendo decorrência disso o tratamento coletivo

das demandas. Nada mais certo que a ampliação dos efeitos benéficos

de decisão judicial para todos os interessados.

Ainda são atendidos outros princípios constitucionais, em virtude da

identidade de prestação jurisdicional a indivíduos que se encontram em

condições iguais, respeitando-se, então, o princípio da isonomia.

Assim sendo, a Lei 9.494/97, que converteu em lei a MedProv 1.570 é

inócua. A competência territorial serve apenas para fixar a competência

do juízo. Os efeitos da decisão do Juiz são limitados somente, como frisei,

pelo objeto do pedido, que quando for relativo aos interesses

transindividuais, atingem a todos os que se encontram na situação

objetiva em litígio, não importando onde o local de seu domicílio.

Competente o juízo, então, devem os efeitos da decisão espalharem-se

para todos os substituídos, tendo em vista todos os argumentos acima

expostos.

(...)

Urge, então, a desconsideração do art. 2º da Lei 9.494/97, para a

preservação da tutela coletiva de direitos no Brasil”.

Apoiando tal entendimento, trazemos à colação dois importantes precedentes

jurisprudenciais.

O primeiro, de lavra do Ministro Ilmar Galvão na Reclamação nº 602-6/SP,

por meio do qual o reclamante alegava que não poderia o Tribunal de Alçada

paulista decidir sobre jurisdicionados domiciliados em todo o território nacional sem

ofender a competência do Excelso Pretório, reafirmou a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal no sentido de que decisão da justiça local pode beneficiar

consumidores de todo o país (julgamento em 03.09.1997, já na vigência da

Medida Provisória nº 1.570/97, depois convertida na Lei nº 9.494/97):

37

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

“Afastadas que sejam as mencionadas exceções processuais -- matéria

cujo exame não tem aqui cabimento -- inevitável é reconhecer que a

eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas

fora da jurisdição do órgão julgador, o que não poderá causar espécie, se

o Poder Judiciário, entre nós, é nacional e não local. Essa propriedade,

obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública, revestindo, ao

revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança

coletivo, que pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas

da federação e também fundar-se em alegação de inconstitucionalidade

de ato normativo, sem que essa última circunstância possa inibir o seu

processamento e julgamento em Juízo de primeiro grau que, entre nós,

também exerce controle constitucional das leis”.

O segundo, proferido pelo Juiz Newton de Lucca, do Tribunal Regional

Federal da 3ª Região21, que, na qualidade de Relator de Agravo de Instrumento,

negou pedido de concessão de efeito suspensivo ao agravo interposto contra

decisão do Juízo da 18ª Vara Federal de São Paulo que, desconsiderando a novel

redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, concedeu alcance nacional à decisão liminar

proferida em ACP proposta pelo Ministério Público Federal contra a TELEBRÁS e

em defesa dos consumidores do serviço público de telefonia:

“Entretanto, há que ser analisadas quais seriam as conseqüências da

alteração legislativa engendrada pelo Poder Executivo por intermédio da

Lei n. 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 7.347/85, para limitar seu

poder de ação aos limites de competência territorial do órgão prolator. (...)

Não há dúvida que, em certos casos, tal restrição aos limites objetivos da

coisa julgada em ação civil pública traduz-se em flagrante retrocesso,

especialmente quando se tem em mente que esse tipo de processo é

essencial à manutenção da Democracia e do Estado-de-direito. Por outro

lado, ele tem o condão de evitar que decisões conflitantes surjam ao

redor desse país continental, inviabilizando políticas públicas relevantes,

tomadas no centro do poder.

(...)

No caso em exame, entretanto, não me parece que esteja havendo abuso

na concessão da liminar ora atacada. É preciso ter em mente que o

interesse em jogo é indivisível, difuso, não sendo possível limitar os

efeitos da coisa julgada a determinado território.

Perceba-se que a portaria impugnada foi editada por autoridade com

competência nacional e sua área de ação também pretende ser

nacional. Por sua vez, ou autor da demanda é o Ministério Público

Federal, que é uma entidade una, cuja área de atuação, por sua vez,

também abrange todo o território nacional.

21 TRF3ªR, 4ªT, AgIn nº 98.03.017990-0.

38

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Assim, não me parece atender aos encômios da boa jurisdição exigirse

a propositura de tantas ações civis públicas quantas forem as

subsidiárias da TELEBRAS.

Isso posto, recebo o presente recurso em seu efeito meramente

devolutivo”.

A lei não pode impor vedações ou restrições à ação civil pública, cujos

limites, como os do mandado de segurança22, decorrem exclusivamente do texto

constitucional.

Assim, se o dano ou a ameaça de dano a interesses ou direitos difusos,

coletivos e individuais homogêneos tiver abrangência nacional, a decisão do juízo

competente para conhecer a causa em primeiro grau de jurisdição terá que ter a

mesma amplitude, sob pena de tornar ineficaz a prestação jurisdicional desses

interesses e direitos nos termos pretendidos pela Constituição.

Conseqüência inevitável da restrição dos efeitos da coisa julgada nas ações

coletivas ao limite da competência territorial do juiz é a multiplicação das demandas

judiciais por tantas vezes quantas for o número de comarcas no país, trazendo

inúmeras soluções judiciais ao mesmo caso, abalando os princípios constitucionais

da isonomia, da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

Por fim, importante e recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4º

sufraga este entendimento:

“ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE

REMUNERAÇÃO. ACRESCIMO DE 9,56%. AÇÂO CIVIL PÚBLICA.

LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO

DENEGADO. AGRAVO REGIMENTAL. A modificação da redação do art.

16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da

alteração do art. 103 da Lei nº 8.078/90, por parcial restou ineficaz,

inexistindo por isso limitação territorial para a eficácia erga omnes da

decisão prolatada em ação civil pública, baseada quer na própria Lei nº

7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90. Decisão recorrida que se mantém por

ausência de razões que determinem sua reforma” (AGRAVO

22 Cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, CPC Comentado, 3ª ed., nota (4) ao art. 12 da Lei nº

7.347/85, “Proibição legal de concessão de liminares pelo juiz”, p.1149.

39

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.091925-

5/RS, Relator Juiz VALDEMAR CAPELETTI).

Diante de todo o exposto, impõe-se o afastamento do limite territorial

introduzido pela inconstitucional e ineficaz Lei nº 9.494/97 aos efeitos da coisa

julgada nesta ação civil pública, com o conseqüente deferimento do direito de

resposta aqui pleiteado totalmente custeado pelas emissoras rés e exibido em rede

nacional.

7. DA NECESSIDADE DA TUTELA ANTECIPADA

Consoante preceitua a Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que

conferiu nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, está

expressamente consagrada no sistema processual brasileiro a possibilidade de

antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

Vejamos, in verbis:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou

parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,

existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação

e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto

propósito protelatório do Réu”.

Tratamento idêntico é conferido à Ação Civil Pública, sendo nesta de

especial importância já que por intermédio dela se objetiva a proteção de interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Neste sentido, vale destacar importante lição de Nelson Nery Júnior e Rosa

Maria Andrade Nery:

40

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

“Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461, § 3°, com a redação dada

pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a

antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que

presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser

concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução,

inclusive de obrigação de fazer. V. coment. CPC 273, 461, § 3° e CDC

84, § 3° ”.

Dessa forma, pode o magistrado proceder à imediata concessão do direito

pleiteado, entretanto, tal antecipação do provimento almejado está adstrita à

verificação de dois pressupostos formais, a saber: fumus boni juris e periculum in

mora.

No caso em questão, todos os requisitos exigidos pela lei processual para o

deferimento da tutela antecipada encontram-se presentes.

O fumus boni iuris (ou prova inequívoca da verossimilhança do pedido,

segundo os dizeres do art. 273 do Código de Processo Civil) encontra-se

caracterizado nos itens anteriores, aos quais se reporta a signatária desta.

Por outro lado, o periculum in mora é manifesto uma vez que, se a a resposta

às ofensas perpetradas às religiões afro-brasileiras não for exercitada o mais breve

possível, o dano mencionado se perpetuará ao longo do tempo, com, até mesmo, o

risco do desaparecimento das religiões afro-brasileiras do cenário nacional.

Acrescentamos ainda ser também necessário o deferimento do direito de resposta,

em sede de provimento antecipatório, pois este, se deferido apenas ao final desta

ação, certamente perderia em muito seu sentido, já que a imediatidade é inerente

ao direito de resposta.

Diante do exposto, requerem o Ministério Público Federal e seus

litisconsortes que Vossa Excelência, uma vez notificados os representantes das

emissoras rés, nos endereços indicados ao final, para que, no prazo de 24 (vinte e

41

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

quatro) horas, querendo, digam das razões por que não aceitaram transmitir a

resposta solicitada, conceda tutela antecipada com abrangência nacional,

determinando-se às emissoras Rede Record e Rede Mulher de Televisão que, no

prazo de 24 (vinte e quatro) horas, coloquem à disposição das associações autoras

estúdio e estrutura pertinentes, bem como pessoal de apoio necessário à gravação

e exibição de 30 (trinta) programas televisivos a título de direito de resposta

coletivo, com duração de duas horas cada, a serem exibidos em 30 (trinta) dias

consecutivos, no horário de 21:00 às 23:00 horas, devendo essa exibição iniciar-se

no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis após a intimação da decisão de concessão

da tutela antecipada, sob pena de multa diária no valor de R$ 500.000,00

(quinhentos mil reais), para cada uma das emissoras, a ser revertida ao Fundo dos

direitos difusos lesados.

Ressalte-se que não se faz necessário aqui se observar o disposto na Lei

8.437/92, referente à audiência prévia do representante judicial da pessoa jurídica

de direito público, tendo em vista que o pedido de tutela antecipada não envolve

nenhuma obrigação da União Federal.

8. DO PEDIDO

Isto posto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as associações também

autoras, a título de provimento definitivo, requerem seja o presente pedido

julgado procedente confirmando-se, por sentença, a tutela requerida liminarmente,

para o fim de condenar as emissoras rés em obrigação de fazer consistente em, no

prazo de 24 (vinte e quatro) horas, colocar à disposição das associações autoras

estúdio e estrutura pertinentes, bem como pessoal de apoio necessário à gravação

e exibição de 30 (trinta) programas televisivos a título de direito de resposta

coletivo, com duração de duas horas cada, a serem exibidos em 30 (trinta) dias

consecutivos, no horário de 21:00 às 23:00 horas, devendo essa exibição iniciar-se

42

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis após a intimação da decisão respectiva, sob

pena de multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), para cada

uma das emissoras, a ser revertida ao Fundo dos direitos difusos lesados.

Quanto à União Federal, caso mantenha-se no pólo passivo da demanda,

seja a mesma condenada em obrigação de fazer consistente em notificar o

Congresso Nacional para que os fatos aqui narrados sejam observados para efeito

de decisão quanto à renovação ou não da concessão dessas emissoras.

Requer finalmente:

a) antes de se decidir sobre a concessão ou não de tutela

antecipada, a notificação de DENNIS BANAGLIA MUNHOZ,

brasileiro, portador do CPF n.º 41.819.258-89, RG n.º 92541

SP, Diretor-Presidente da emissora Rede Record, MARCOS

ANTÔNIO PEREIRA, brasileiro, portador do CPF n.º

9.635.787-82, RG 1071591, Diretor-Superintendente da

emissora Rede Record e HONORILTON GONÇALVES DA

COSTA, brasileiro, portador do CPF 596.939.917-53, RG/ n.º

267507506, SP, Diretor da emissora Rede Record todos com

endereço à Rua da Várzea, n.º 240, Barra Funda, São

Paulo/SP, CEP 01140-080, e ROMUALDO PANCEIRO DA

SILVA, brasileiro, portador do CPF n.º 627.018.437-15,

RG/RNE 27654718-4, Sócio-gerente da emissora Rede

Mulher e MARCOS ANTÔNIO PEREIRA, brasileiro, portador

do CPF n.º 9.635.782-82, RG 1ES006867/T-9, SP, sócio

gerente da emissora Rede Mulher, com endereço na

Avenida Miruna, n.º 713, Moema, São Paulo-SP, CEP 04084-

002 para que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas,

querendo, digam das razões por que não aceitaram

transmitir a resposta solicitada;

43

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

b) concessão de tutela antecipada, nos termos já expostos;

c) citação das emissoras rés para responderem aos termos da

presente ação, assim como para, querendo, contestá-la, no

prazo legal, sob pena de revelia (arts. 285, 297 e 319 do Código

de Processo Civil);

d) citação da União Federal para que ofereça resposta, facultandolhe,

nos termos do art. 6o, §3o, da Lei da Ação Popular, absterse

de contestar o pedido, ou atuar ao lado dos autores;

e) a condenação das rés no pagamento de custas, despesas

processuais e honorários advocatícios.

Requer, também, seja o Ministério Público Federal intimado pessoalmente

dos atos processuais no seguinte endereço: Rua Peixoto Gomide, nº 768, Cerqueira

César, Capital.

9. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

Por tratar-se de questão de direito e de fato que independe de produção de

provas, os autores apresentam, com esta peça inicial, documentos e fitas de vídeo

extraídos da representação 1.34.001.000473/2003-14 e, por inexistirem outras

provas a serem indicadas, requerem, desde já, o julgamento antecipado da lide.

Caso assim não entenda Vossa Excelência, requerem a produção de todas

as provas em direito admitidas, especialmente a juntada de novos documentos,

pericial, oitiva de testemunhas e depoimento pessoal dos representantes das

emissoras.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

10.DO VALOR DA CAUSA

Dá à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 10 de dezembro de 2004.

EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA FÁVERO

Procuradora da República

Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão

HÉDIO SILVA JUNIOR

OAB/SP 146.736

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